Veneráveis Irmãos, caríssimos Filhos e Filhas: saúde e Bênção
Apostólica!
INTRODUÇÃO
1. A
MÃE DO REDENTOR tem um lugar bem preciso no plano da salvação, porque,
«ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido duma
mulher, nascido sob a Lei, a fim de resgatar os que estavam sujeitos à
Lei e para que nós recebêssemos a adopção de filhos. E porque vós sois
filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que
clama: "Abbá! Pai!"» (Gál 4, 4-6).
Com
estas palavras do Apóstolo São Paulo, que são referidas pelo Concílio
Vaticano II no início da sua exposição sobre a Bem-aventurada Virgem
Maria, (1) desejo também eu começar a minha reflexão sobre o significado
que Maria tem no mistério de Cristo e sobre a sua presença activa e
exemplar na vida da Igreja. Trata-se, de facto, de palavras que celebram
conjuntamente o amor do Pai, a missão do Filho, o dom do Espírito Santo,
a mulher da qual nasceu o Redentor e a nossa filiação divina, no
mistério da «plenitude dos tempos». (2)
Esta
«plenitude» indica o momento, fixado desde toda a eternidade, em que o
Pai enviou o seu Filho, «para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas
tenha a vida eterna» (Jo 3, 16). Ela designa o momento abençoado
em que «o Verbo, que estava junto de Deus, ... se fez carne e habitou
entre nós» (Jo 1, 1. 14), fazendo-se nosso irmão. Esta
«plenitude» marca o momento em que o Espírito Santo que já tinha
infundido a plenitude de graça em Maria de Nazaré, plasmou no seu seio
virginal a natureza humana de Cristo. A mesma «plenitude» denota aquele
momento, em que, pelo ingresso do eterno no tempo, do divino no humano,
o próprio tempo foi redimido e, tendo sido preenchido pelo mistério de
Cristo, se torna definitivamente «tempo de salvação». Ela assinala,
ainda, o início arcano da caminhada da Igreja. Na Liturgia, de facto, a
Igreja saúda Maria de Nazaré como seu início, (3) por isso mesmo que já
vê projectar-se, no evento da Conceição imaculada, como que antecipada
no seu membro mais nobre, a graça salvadora da Páscoa; e, sobretudo,
porque no acontecimento da Incarnação se encontram indissoluvelmente
ligados Cristo e Maria Santíssima: Aquele que é o seu Senhor e a sua
Cabeça e Aquela que, ao pronunciar o primeiro «fiat» (faça-se)
da Nova Aliança, prefigura a condição da mesma Igreja de esposa e de
mãe.
2.
Confortada pela presença de Cristo (cf. Mt 28, 20), a Igreja
caminha no tempo, no sentido da consumação dos séculos e procede para o
encontro com o Senhor que vem. Mas nesta caminhada - desejo realçá-lo
desde já - a Igreja procede seguindo as pegadas do itinerário
percorrido pela Virgem Maria, a qual «avançou na peregrinação da fé,
mantendo fielmente a união com o seu Filho até à Cruz».(4)
Refiro estas palavras tão densas, evocando assim a Constituição Lumen
Gentium, o documento que, no último capítulo, apresenta uma síntese
vigorosa da fé e da doutrina da Igreja sobre o tema da Mãe de Cristo,
venerada como Mãe amantíssima e como seu modelo na fé, na esperança e na
caridade.
Poucos anos depois do Concílio, o meu grande Predecessor Paulo VI houve
por bem voltar a falar da Virgem Santíssima, expondo primeiramente na
Carta Encíclica Christi Matri e, em seguida, nas Exortações
Apostólicas Signum Magnum e Marialis Cultus, (5) os fundamentos e
os critérios daquela veneração singular que a Mãe de Cristo recebe na
Igreja, assim como as formas de devoção mariana - litúrgicas, populares
e privadas - em correspondência com o espírito da fé.
3. A
circunstância que agora me impele também a mim a retomar este assunto é
a perspectiva do Ano Dois Mil, que já está próximo, no qual o
Jubileu bimilenário do nascimento de Jesus Cristo, nos leva a volver o
olhar simultaneamente para a sua Mãe. Nestes anos mais recentes, foram
aparecendo diversos alvitres que apontavam a oportunidade de fazer
anteceder a comemoração bimilenária de um outro Jubileu análogo,
dedicado à celebração do nascimento de Maria Santíssima.
Na
realidade, se não é possível estabelecer um momento cronológico
preciso para aí fixar o nascimento de Maria, tem sido constante da parte
da Igreja a consciência de que Maria apareceu antes de Cristo no
horizonte da história da salvação.(6) É um facto que, ao
aproximar-se definitivamente a «plenitude dos tempos», isto é, o advento
salvífico do Emanuel, Aquela que desde a eternidade estava destinada a
ser sua Mãe já existia sobre a terra. Esta sua «precedência», em relação
à vinda de Cristo, tem anualmente os seus reflexos na liturgia do
Advento. Por conseguinte, se os anos que nos vão aproximando do
final do Segundo Milénio depois de Cristo e do início do Terceiro forem
cotejados com aquela antiga expectativa histórica do Salvador, torna- se
perfeitamente compreensível que neste período desejemos voltar-nos de
modo especial para Aquela que, na «noite» da expectativa do Advento,
começou a resplandecer como uma verdadeira «estrela da manhã» (Stella
matutina). Com efeito, assim como esta estrela, conjuntamente à
«aurora», precede o nascer do sol, assim também Maria, desde a sua
Conceição imaculada, precedeu a vinda do Salvador, o nascer do «sol da
justiça» na história do género humano. (7)
A sua
presença no meio do povo de Israel - tão discreta que passava quase
despercebida aos olhos dos contemporâneos - brilhava bem clara diante do
Eterno, que tinha associado esta ignorada «Filha de Sião» (cf. Sof
3, 14; Zac 2, 14) ao plano salvífico que compreendia toda a
história da humanidade. Com razão, pois, no final deste Milénio, nós
cristãos, que sabemos ser o plano providencial da Santíssima Trindade a
realidade central da revelação e da fé, sentimos a necessidade de
pôr em relevo a presença singular da Mãe de Cristo na história,
especialmente no decorrer deste último período de tempo que precede o
Ano Dois Mil.
4.
Para isso nos prepara já o Concílio Vaticano II, ao apresentar no seu
magistério a Mãe de Deus no mistério de Cristo e da Igreia. Com
efeito, se «o mistério do homem só se esclarece verdadeiramente no
mistério do Verbo Incarnado» - como proclama o mesmo Concílio (8) -
então é necessário aplicar este princípio, de modo muito particular,
àquela excepcional «filha da estirpe humana», àquela «mulher»
extraordinária que se tornou Mãe de Cristo. Só no mistério de Cristo
«se esclarece» plenamente o seu mistério. Foi assim, de
resto, que a Igreja, desde o princípio, procurou fazer a sua leitura: o
mistério da Incarnação permitiu-lhe entender e esclarecer cada vez
melhor o mistério da Mãe do Verbo Incarnado. Neste aprofundamento teve
uma importância decisiva o Concílio de Éfeso (a. 431), durante o qual,
com grande alegria dos cristãos, a verdade sobre a maternidade divina de
Maria foi confirmada solenemente como verdade de fé da Igreja. Maria é
a Mãe de Deus ( = Theotókos), uma vez que, por obra do
Espírito Santo, concebeu no seu seio virginal e deu ao mundo Jesus
Cristo, o Filho de Deus consubstancial ao Pai. (9) «O Filho de Deus ...
ao nascer da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós ...»,(10)
fez-se homem. Deste modo, pois, mediante o mistério de Cristo,
resplandece plenamente no horizonte da fé da Igreja o mistério da sua
Mãe. O dogma da maternidade divina de Maria, por sua vez, foi para o
Concílio de Éfeso e é para a Igreja como que uma chancela no dogma da
Incarnação, em que o Verbo assume realmente, sem a anular, a natureza
humana na unidade da sua Pessoa.
5. O
Concílio Vaticano II, apresentando Maria no mistério de Cristo, encontra
desse modo o caminho para aprofundar também o conhecimento do mistério
da Igreja. Maria, de facto, como Mãe de Cristo, está unida de modo
especial com a Igreja, «que o Senhor constituíu como seu corpo».
(11) O texto conciliar põe bem próximas uma da outra,
significativamente, esta verdade sobre a Igreja como corpo de Cristo
(segundo o ensino das Cartas de São Paulo) e a verdade de que o
Filho de Deus «por obra do Espírito Santo nasceu da Virgem Maria». A
realidade da Incarnação encontra como que um prolongamento no
mistério da Igreja - corpo de Cristo. E não se pode pensar na mesma
realidade da Incarnação sem fazer referência a Maria - Mãe do Verbo
Incarnado.
Nas
reflexões que passo a apresentar, porém, quero referir-me principalmente
àquela «peregrinação da fé», na qual «a Bem-aventurada Virgem Maria
avançou», conservando fielmente a união com Cristo. (12) Deste modo,
aquele dúplice vínculo, que une a Mãe de Deus com Cristo e com
a Igreja, reveste-se de um significado histórico. E não se trata
aqui simplesmente da história da Virgem Maria, do seu itinerário pessoal
de fé e da «melhor parte» que ela tem no mistério da salvação; trata-se
também da história de todo o Povo de Deus, de todos aqueles que tomam
parte na mesma peregrinação da fé.
É
isto o que exprime o Concílio, ao declarar, numa outra passagem, que a
Virgem Maria «precedeu», tornando-se «a figura da Igreja, na ordem da
fé, da caridade e da perfeita união com Cristo».(13) Este seu «preceder»,
como figura ou modelo, refere-se ao próprio mistério íntimo da
Igreja, a qual cumpre a própria missão salvífica unindo em si - à
semelhança de Maria - as qualidades de mãe e de virgem. É virgem
que «guarda fidelidade total e pura ao seu esposo» e «torna-se, também
ela própria, mãe ... pois gera para vida nova e imortal os filhos
concebidos por acção do Espírito Santo e nascidos de Deus».(14)
6.
Tudo isto se realiza num grande processo histórico e, por assim dizer,
«numa caminhada». «A peregrinação da fé» indica a história interior,
que é como quem diz a história das almas. Mas esta é também a história
dos homens, sujeitos nesta terra à condição transitória e situados nas
dimensões históricas. Nas reflexões que seguem quereria, juntamente
convosco, concentrar-me primeiro que tudo na sua fase presente, que
aliás de per si não pertence ainda à história; e, contudo,
incessantemente já a vai plasmando, também no sentido de história da
salvação. Aqui abre-se um espaço amplo, no interior do qual a
Bem-aventurada Virgem Maria continua a «preceder» o Povo de Deus.
A sua excepcional peregrinação da fé representa um ponto de referência
constante para a Igreja, para as pessoas singulares e para as
comunidades, para os povos e para as nações e, em certo sentido, para
toda a humanidade. É verdadeiramente difícil abarcar e medir o seu
alcance.
O
Concílio sublinha que a Mãe de Deus já é a realização escatológica da
Igreja: «na Santíssima Virgem ela já atingiu aquela perfeição sem
mancha nem ruga que lhe é própria (cf. Et 5, 27)» - e,
simultaneamente, que «os fiéis ainda têm de envidar esforços para
debelar o pecado e crescer na santidade; e, por isso, eles levantam
os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre toda a
comunidade dos eleitos» (15) A peregrinação da fé é algo que já não
pertence à Genetriz do Filho de Deus: glorificada nos céus ao lado do
próprio Filho, a sua união com o mesmo Deus já transpôs o limiar entre a
fé e a visão «face-a-face» (1 Cor 13, 12). Ao mesmo tempo, porém,
nesta realização escatológica, Maria não cessa de ser a «estrela do mar»
(Maris Stella)(16) para todos aqueles que ainda percorrem o
caminho da fé. Se levantam os olhos para Ela nos diversos lugares onde
se desenrola a sua existência terrena, fazem-no porque Ela «deu à luz o
Filho, que Deus estabeleceu como primogénito entre muitos irmãos» (Rom
8, 29) (17) e também porque «Ela coopera com amor de mãe» para «a
regeneração e educação» destes irmãos e irmãs.(18)
PRIMEIRA PARTE
MARIA
NO MISTÉRIO DE CRISTO
1.
Cheia de graça
7.
«Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual no alto
dos céus, nos abençoou com toda a sorte de bênçãos espirituais em
Cristo» (Ef 1, 3). Estas palavras da Carta aos Efésios
revelam o eterno desígnio de Deus Pai, o seu plano de salvação do homem
em Cristo. É um plano universal, que concerne todos os homens criados à
imagem e semelhança de Deus (cf. Gén 1, 26). Todos eles, assim
como «no princípio» estão compreendidos na obra criadora de Deus, assim
também estão eternamente compreendidos no plano divino da salvação, que
se deve revelar cabalmente na «plenitude dos tempos», com a vinda de
Cristo. Com efeito, «n'Ele», aquele Deus, que é «Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo» — são as palavras que vêm a seguir na mesma Carta —
«nos elegeu antes da criação do mundo, para sermos santos e
imaculados aos seus olhos. Por puro amor Ele nos predestinou a sermos
adoptados por Ele como filhos, por intermédio de Jesus Cristo, segundo o
beneplácito da sua vontade, para louvor da magnificência da sua graça,
pela qual nos tornou agradáveis em seu amado Filho. N'Ele,
mediante o seu sangue, temos a redenção, a remissão dos pecados segundo
as riquezas da sua graça» (Ef 1, 4-7).
O
plano divino da salvação, que nos foi revelado plenamente com a
vinda de Cristo, é eterno. Ele é também - segundo o ensino contido na
mesma Carta e noutras Cartas paulinas (cf. Col 1,
12-14; Rom 3, 24; Gál 3, 13; 2 Cor 5, 18-29) - algo
que está eternamente ligado a Cristo. Ele compreende em si todos
os homens; mas reserva um lugar singular à «mulher» que foi a Mãe
d'Aquele ao qual o Pai confiou a obra da salvação. (19) Como explana o
Concílio Vaticano II, «Maria encontra-se já profeticamente delineada na
promessa da vitória sobre a serpente, feita aos primeiros pais caídos no
pecado», segundo o Livro do Génesis (cf. 3, 15). «Ela é,
igualmente, a Virgem que conceberá e dará à luz um Filho, cujo nome será
Emanuel» segundo as palavras de Isaías (cf. 7, 14). (20) Deste modo, o
Antigo Testamento prepara aquela «plenitude dos tempos», quando Deus
haveria de enviar «o seu Filho, nascido duma mulher ..., para que nós
recebêssemos a adopção como filhos». A vinda ao mundo do Filho de Deus e
o acontecimento narrado nos primeiros capítulos dos Evangelhos segundo
São Lucas e segundo São Mateus.
8.
Maria é introduzida no mistério de Cristo definitivamente
mediante aquele acontecimento que foi a Anunciação do Anjo.
Esta deu-se em Nazaré, em circunstâncias bem precisas da história de
Israel, o povo que foi o primeiro destinatário das promessas de Deus. O
mensageiro divino diz à Virgem: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor é
contigo» (Lc 1, 28). Maria «perturbou-se e interrogava-se a si
própria sobre o que significaria aquela saudação» (Lc 1, 29): que
sentido teriam todas aquelas palavras extraordinárias, em particular, a
expressão «cheia de graça» (kecharitoméne). (21)
Se
quisermos meditar juntamente com Maria em tais palavras e,
especialmente, na expressão «cheia de graça», podemos encontrar uma
significativa correspondência precisamente na passagem acima citada da
Carta aos Efésios. E se, depois do anúncio do mensageiro celeste,
a Virgem de Nazaré é chamada também a «bendita entre as mulheres» (cf.
Lc 1, 42), isso explica-se por causa daquela bênção com que «Deus
Pai» nos cumulou «no alto dos céus, em Cristo». É uma bênção
espiritual, que se refere a todos os homens e traz em si mesma a
plenitude e a universalidade («toda a sorte de bênçãos»), tal como brota
do amor que, no Espírito Santo, une ao Pai o Filho consubstancial. Ao
mesmo tempo, trata-se de uma bênção derramada por obra de Jesus Cristo
na história humana até ao fim: sobre todos os homens. Mas esta bênção
refere-se a Maria em medida especial e excepcional: ela, de facto,
foi saudada por Isabel como «a bendita entre as mulheres».
O
motivo desta dupla saudação, portanto, está no facto de se ter
manifestado na alma desta «filha de Sião», em certo sentido, toda a
«magnificência da graça», daquela graça com que «o Pai ... nos tornou
agradáveis em seu amado Filho». O mensageiro, efectivamente, saúda Maria
como «cheia de graça»; e chama-lhe assim, como se este fosse o seu
verdadeiro nome. Não chama a sua interlocutora com o nome que lhe é
próprio segundo o registo terreno: «Miryam» ( = Maria); mas sim com
este nome novo: «cheia de graça». E o que significa este
nome? Por que é que o Arcanjo chama desse modo à Virgem de Nazaré?
Na
linguagem da Bíblia «graça» significa um dom especial, que, segundo o
Novo Testamento, tem a sua fonte na vida trinitária do próprio Deus, de
Deus que é amor (cf. 1 Jo 4, 8). É fruto deste amor a «eleição»
- aquela eleição de que fala a Carta aos Efésios. Da parte de
Deus esta «escolha» é a eterna vontade de salvar o homem, mediante a
participação na sua própria vida divina (cf. 2 Pdr 1, 4) em
Cristo: é a salvação pela participação na vida sobrenatural. O efeito
deste dom eterno, desta graça de eleição do homem por parte de Deus, é
como que um gérmen de santidade, ou como que uma nascente a
jorrar na alma do homem, qual dom do próprio Deus que, mediante a graça,
vivifica e santifica os eleitos. Desta forma se verifica, isto é, se
torna realidade aquela «bênção» do homem «com toda a sorte de bênçãos
espirituais», aquele «ser seus filhos adoptivos ... em Cristo», ou seja,
n'Aquele que é desde toda a eternidade o «Filho muito amado» do Pai.
Quando lemos que o mensageiro diz a Maria «cheia de graça», o contexto
evangélico, no qual confluem revelações e promessas antigas, permite-nos
entender que aqui se trata de uma «bênção» singular entre todas as
«bênçãos espirituais em Cristo». No mistério de Cristo, Maria está
presente já «antes da criação do mundo», como aquela a quem o Pai
«escolheu» para Mãe do seu Filho na Incarnação — e, conjuntamente
ao Pai, escolheu-a também o Filho, confiando-a eternamente ao Espírito
de santidade. Maria está unida a Cristo, de um modo absolutamente
especial e excepcional; e é amada neste «Filho muito amado»
desde toda a eternidade, neste Filho consubstancial ao Pai, no
qual se concentra toda «a magnificência da graça». Ao mesmo tempo,
porém, ela é e permanece perfeitamente aberta para este «dom do Alto»
(cf. Tg 1, 17) Como ensina o Concílio, Maria «é a primeira entre
os humildes e os pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem
d'Ele a salvação». (22)
9. A
saudação e o nome «cheia de graça» dizem-nos tudo isto; mas, no contexto
do anúncio do Anjo, referem-se em primeiro lugar à eleição de Maria
como Mãe do Filho de Deus. Todavia, a plenitude de graça indica ao
mesmo tempo toda a profusão de dons sobrenaturais com que Maria é
beneficiada em relação com o facto de ter sido escolhida e destinada
para ser Mãe de Cristo. Se esta eleição é fundamental para a realização
dos desígnios salvíficos de Deus, a respeito da humanidade, e se a
escolha eterna em Cristo e a destinação para a dignidade de filhos
adoptivos se referem a todos os homens, então a eleição de Maria é
absolutamente excepcional e única. Daqui deriva também a singularidade e
unicidade do seu lugar no mistério de Cristo.
O
mensageiro divino diz-lhe: «Não temas, Maria, pois achaste graça diante
de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, ao qual porás o nome
de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo» (Lc
1, 30-32). E quando a Virgem, perturbada por esta saudação
extraordinária, pergunta: «Como se realizará isso, pois eu não conheço
homem?», recebe do Anjo a confirmação e a explicação das palavras
anteriores. Gabriel diz-lhe: «Virá sobre ti o Espírito Santo e a
potência do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso mesmo o
Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus» (Lc 1, 35).
A
Anunciação, portanto, é a revelação do mistério da Incarnação
exactamente no início da sua realização na terra. A doação salvífica que
Deus faz de si mesmo e da sua vida, de alguma maneira a toda a criação
e, directamente, ao homem, atinge no mistério da Incarnação um dos
seus pontos culminantes. Isso constitui, de facto, um vértice de
todas as doações de graça na história do homem e do cosmos. Maria é a
«cheia de graça», porque a Incarnação do Verbo, a união hipostática do
Filho de Deus com a natureza humana, se realiza e se consuma
precisamente nela. Como afirma o Concílio, Maria é «Mãe do Filho de Deus
e, por isso, filha predilecta do Pai e templo do Espírito Santo; e, por
este insigne dom de graça, leva vantagem a todas as demais criaturas do
céu e da terra». (23)
10. A
Carta aos Efésios, falando da «magnificência da graça» pela qual
«Deus Pai ... nos tornou agradáveis em seu amado Filho», acrescenta: «N'Ele
temos a redenção pelo seu sangue» (Ef 1, 7). Segundo a doutrina
formulada em documentos solenes da Igreja, esta «magnificência da graça»
manifestou-se na Mãe de Deus pelo facto de ela ter sido «redimida de um
modo mais sublime». (24) Em virtude da riqueza da graça do amado Filho e
por motivo dos merecimentos redentores d'Aquele que haveria de tornar-se
seu Filho, Maria foi preservada da herança do pecado original.
(25) Deste modo, logo desde o primeiro instante da sua concepção, ou
seja da sua existência, ela pertence a Cristo, participa da graça
salvífica e santificante e daquele amor que tem o seu início no «amado
Filho», no Filho do eterno Pai que, mediante a Incarnação, se tornou o
seu próprio Filho. Sendo assim, por obra do Espírito Santo, na ordem da
graça, ou seja, da participação da natureza di vina, Maria recebe a
vida d'Aquele, ao qual ela própria, na ordem da geração terrena,
deu a vida como mãe. A Liturgia não hesita em chamá-la «genetriz do
seu Genitor» (26) e em saudá-la com as palavras que Dante Alighieri põe
na boca de São Bernardo: «filha do teu Filho» (27). E, uma vez que Maria
recebe esta «vida nova» numa plenitude correspondente ao amor do Filho
para com a Mãe, e por conseguinte à dignidade da maternidade divina, o
Anjo na Anunciação chama-lhe «cheia de graça».
11.
No desígnio salvífico da Santíssima Trindade o mistério da Incarnação
constitui o cumprimento superabundante da promessa feita
por Deus aos homens, depois do pecado original, depois daquele
primeiro pecado cujos efeitos fazem sentir o seu peso sobre toda a
história do homem na terra (cf. Gén 3, 15). E eis que vem ao
mundo um Filho, a «descendência da mulher», que vencerá o mal do pecado
nas suas próprias raízes: «esmagará a cabeça» da serpente. Como resulta
das palavras do Proto-Evangelho, a vitória do Filho da mulher não se
verificará sem uma árdua luta, que deve atravessar toda a história
humana. «A inimizade», anunciada no princípio, é confirmada no
Apocalipse, o livro das realidades últimas da Igreja e do mundo, onde
volta a aparecer o sinal de uma «mulher», desta vez «vestida de sol» (Apoc
12, 1).
Maria, Mãe do Verbo Incarnado, está colocada no próprio centro dessa
«inimizade», dessa luta que acompanha o evoluir da história da
humanidade sobre a terra e a própria história da salvação. Neste seu
lugar, ela, que faz parte dos «humildes e pobres do Senhor», apresenta
em si, como nenhum outro dentre os seres humanos, aquela «magnificência
de graça» com que o Pai nos agraciou no seu amado Filho; e esta graça
constitui a extraordinária grandeza e beleza de todo o seu ser.
Maria permanece, assim, diante de Deus e também diante de toda a
humanidade, como o sinal imutável e inviolável da eleição por parte do
mesmo Deus, de que fala a Carta paulina: «em Cristo nos elegeu
antes da criação do mundo ... e nos predestinou para sermos seus filhos
adoptivos» (Ef 1, 4. 5). Esta eleição é mais forte do que toda a
experiência do mal e do pecado, do que toda aquela «inimizade» pela qual
está marcada toda a história do homem. Nesta história, Maria permanece
um sinal de segura esperança.
2.
Feliz daquela que acreditou
12.
Logo depois de ter narrado a Anunciação, o Evangelista São Lucas faz-nos
de guia, seguindo os passos da Virgem em direcção a «uma cidade de Judá»
(Lc 1, 39). Segundo os estudiosos, esta cidade devia ser a «Ain-Karim»
de hoje, situada entre as montanhas, não distante de Jerusalém. Maria
dirigiu-se para lá «apressadamente», para visitar Isabel, sua
parente. O motivo desta visita há-de ser procurado também no facto de
Gabriel, durante a Anunciação, ter nomeado de maneira significativa
Isabel, que em idade avançada tinha concebido do marido Zacarias um
filho, pelo poder de Deus: «Isabel, tua parente, concebeu um filho, na
sua velhice; e está já no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril,
porque nada é impossível a Deus» (Lc 1, 36-37). O
mensageiro divino tinha feito recurso ao evento, que se realizara em
Isabel, para responder à pergunta de Maria: «Como se realizará isso,
pois eu não conheço homem?» (Lc 1, 34). Sim, será possível
exactamente pelo «poder do Altíssimo», como e ainda mais do que no caso
de Isabel.
Maria
dirige-se, pois, impelida pela caridade, a casa da sua parente. Quando
aí entrou, Isabel, ao responder à sua saudação, tendo sentido o menino
estremecer de alegria no próprio seio, «cheia do Espírito Santo»,
saúda por sua vez Maria em alta voz: «Bendita és tu entre as
mulheres e bendito o fruto do teu ventre» (cf. Lc 1, 40-42). Esta
proclamação e aclamação de Isabel deveria vir a entrar na Ave Maria,
como continuação da saudação do Anjo, tornando-se assim uma das orações
mais frequentes da Igreja. Mas são ainda mais significativas as palavras
de Isabel, na pergunta que se segue: «E donde me é dada a dita que venha
ter comigo a mãe do meu Senhor?» (Lc 1, 43). Isabel dá
testemunho acerca de Maria: reconhece e proclama que diante de si está a
Mãe do Senhor, a Mãe do Messias. Neste testemunho participa também o
filho que Isabel traz no seio: «estremeceu de alegria o menino no meu
seio» (Lc 1, 44). O menino é o futuro João Baptista, que, nas
margens do Jordão, indicará em Jesus o Messias.
Todas
as palavras, nesta saudação de Isabel, são densas de significado; no
entanto, parece ser algo de importância fundamental o que ela diz
no final: «Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as
coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor» (Lc 1, 45). (28)
Estas palavras podem ser postas ao lado do apelativo «cheia de graça» da
saudação do Anjo. Em ambos os textos se revela um conteúdo mariológico
essencial, isto é, a verdade acerca de Maria, cuja presença se tornou
real no mistério de Cristo, precisamente porque ela «acreditou». A
plenitude de graça, anunciada pelo Anjo, significa o dom de Deus
mesmo; a fé de Maria, proclamada por Isabel aquando da Visitação,
mostra como a Virgem de Nazaré tinha correspondido a este dom.
13.
«A Deus que revela é devida "a obediência da fé" (Rom 16, 26; cf.
Rom 1, 5; 2 Cor 10, 5-6), pela qual o homem se entrega
total e livremente a Deus», como ensina o Concílio. (29) Exactamente
esta descrição da fé teve em Maria uma actuação perfeita. O momento
«decisivo» foi a Anunciação; e as palavras de Isabel - «feliz daquela
que acreditou» - referem-se em primeiro lugar precisamente a esse
momento. (30)
Na
Anunciação, de facto, Maria entregou-se a Deus completamente,
manifestando «a obediência da fé» Àquele que lhe falava, mediante o seu
mensageiro, prestando-lhe o «obséquio pleno da inteligência e da
vontade». (31) Ela respondeu, pois, com todo o seu «eu» humano e
feminino. Nesta resposta de fé estava contida uma cooperação
perfeita com a «prévia e concomitante ajuda da graça divina» e uma
disponibilidade perfeita à acção do Espírito Santo, o qual «aperfeiçoa
continuamente a fé mediante os seus dons». (32)
A
palavra de Deus vivo, anunciada pelo Anjo a Maria, referia-se a ela
própria: «Eis que conceberás e darás à luz um filho» (Lc 1, 31).
Acolhendo este anúncio, Maria devia tornar-se a «Mãe do Senhor» e
realizar-se-ia nela o mistério divino da Incarnação: «O Pai das
misericórdias quis que a aceitação por parte da que Ele predestinara
para mãe, precedesse a Incarnação». (33) E Maria dá esse consenso,
depois de ter ouvido todas as palavras do mensageiro. Diz: «Eis a serva
do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Este
fiat de Maria - «faça-se em mim» - decidiu, da parte humana, do
cumprimento do mistério divino. Existe uma consonância plena com as
palavras do Filho que, segundo a Carta aos Hebreus, ao vir a este
mundo, diz ao Pai: «Não quiseste sacrifícios nem oblações, mas
formaste-me um corpo... Eis que venho... para fazer, ó Deus, a tua
vontade» (Hebr 10, 5-7). O mistério da Incarnação realizou-se
quando Maria pronunciou o seu «fiat»: «Faça-se em mim segundo a
tua palavra», tornando possível, pelo que a ela competia no desígnio
divino, a aceitação do oferecimento do seu Filho.
Maria
pronunciou este «fiat» mediante a fé. Foi mediante a fé que ela
«se entregou a Deus» sem reservas e «se consagrou totalmente, como
escrava do Senhor, à pessoa e à obra do seu Filho». (34) E este Filho —
como ensinam os Padres da Igreja — concebeu-o na mente antes de o
conceber no seio: precisamente mediante a fé! (35) Com justeza,
portanto, Isabel louva Maria: «Feliz daquela que acreditou que teriam
cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor». Essas
coisas já se tinham cumprido: Maria de Nazaré apresenta-se no limiar da
casa de Isabel e de Zacarias como mãe do Filho de Deus. É essa a
descoberta letificante de Isabel: «A mãe do meu Senhor vem ter comigo!».
14.
Por conseguinte, também a fé de Maria pode ser comparada com a de
Abraão, a quem o Apóstolo chama «nosso pai na fé» (cf. Rom 4,
12). Na economia salvífica da Revelação divina, a fé de Abraão constitui
o início da Antiga Aliança; a fé de Maria, na Anunciação, dá início à
Nova Aliança. Assim como Abraão, «esperando contra toda a esperança,
acreditou que haveria de se tornar pai de muitos povos» (cf.
Rom 4, 18 ), também Maria, no momento da Anunciação, depois de ter
declarado a sua condição de virgem («Como será isto, se eu não conheço
homem?»), acreditou que pelo poder do Altíssimo, por obra do
Espírito Santo, se tornaria a mãe do Filho de Deus segundo a revelação
do Anjo: «Por isso mesmo o Santo que vai nascer será chamado Filho de
Deus» (Lc 1, 35).
Entretanto, as palavras de Isabel: «Feliz daquela que acreditou» não se
aplicam apenas àquele momento particular da Anunciação. Esta representa,
sem dúvida, o momento culminante da fé de Maria na expectação de Cristo,
mas é também o ponto de partida, no qual se inicía todo o seu
«itinerário para Deus», toda a sua caminhada de fé. E será ao longo
deste caminho, que a «obediência» por ela professada à palavra da
revelação divina irá ser actuada, de modo eminente e verdadeiramente
heróico ou, melhor dito, com um heroísmo de fé cada vez maior. E esta
«obediência da fé» da parte de Maria, durante toda a sua caminhada, terá
surpreendentes analogias com a fé de Abraão. Do mesmo modo que o
patriarca do Povo de Deus, também Maria, ao longo do caminho do seu
fiat filial e materno, «esperando contra toda a esperança,
acreditou». Especialmente ao longo de algumas fases deste seu
caminhar, a bênção concedida «àquela que acreditou» tornar-se-á
manifesta com particular evidência. Acreditar quer dizer «abandonar-se»
à própria verdade da palavra de Deus vivo, sabendo e reconhecendo
humildemente «quanto são insondáveis os seus desígnios e
imperscrutáueis as suas vias» (Rom 11, 33). Maria, que pela
eterna vontade do Altíssimo veio a encontrar-se, por assim dizer, no
próprio centro daquelas «imperscrutáveis vias» e daqueles «insondáveis
desígnios» de Deus, conforma-se a eles na obscuridade da fé, aceitando
plenamente e com o coração aberto tudo aquilo que é disposição dos
desígnios divinos.
15.
Na Anunciação, quando Maria ouve falar do Filho de que deve tornar-se
genetriz e ao qual «porá o nome de Jesus» (= Salvador), fica também a
conhecer que «o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David», que ele
«reinará sobre a casa de Jacob eternamente e o seu reinado não terá fim»
(Lc 1, 32-33). Era neste sentido que se orientava toda a
esperança de Israel. O Messias prometido devia ser «grande»; e também o
mensageiro celeste anuncia que «será grande»: grande, quer pelo
nome de Filho do Altíssimo, quer pelo facto de assumir a
herança de David. Há-de, portanto, ser rei, há-de reinar «sobre a
casa de Jacob». Maria tinha crescido no meio desta expectativa do seu
povo: estaria ela em condições de captar, no momento da Anunciação, qual
o sentido essencial que podiam ter as palavras do Anjo, e como devia ser
entendido aquele «reino», que «não terá fim»?
Se
bem que, mediante a fé, ela possa ter-se sentido naquele instante mãe do
«Messias-rei», contudo respondeu: «Eis a serva do Senhor! Faça-se
em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Desde o primeiro
momento, Maria professou sobretudo «a obediência da fé», abandonando-se
àquele sentido que dava às palavras da Anunciação Aquele do qual elas
provinham: o próprio Deus.
16.
No caminho da «obediência da fé», ainda, Maria, um pouco mais tarde,
ouve outras palavras: aquelas que foram pronunciadas por
Simeão, no templo de Jerusalém. Estava-se já no quadragésimo dia
depois do nascimento de Jesus, quando Maria e José, segundo a prescrição
da Lei de Moisés, «levaram o menino a Jerusalém, para o oferecer ao
Senhor» (Lc 2, 22). O nascimento verificara-se em condições de
extrema pobreza. Com efeito, sabemos através de São Lucas que, por
ocasião do recenseamento da população ordenado pelas autoridades
romanas, Maria se dirigiu com José a Belém; e não tendo encontrado
«lugar na hospedaria», deu à luz o seu Filho num estábulo e
«reclinou-o numa manjedoura» (cf. Lc 2, 7).
Um
homem justo e piedoso, de nome Simeão, aparece naquele momento dos
inícios do «itinerário» da fé de Maria. As suas palavras, sugeridas pelo
Espírito Santo (cf. Lc 2, 25-27), confirmam a verdade da
Anunciação. Lemos, efectivamente, que ele «tomou nos seus braços» o
menino, ao qual - segundo a palavra do Anjo - deram o nome de Jesus»
(cf. Lc 2, 21). Aquilo que Simeão diz está conforme com o
significado deste nome, que quer dizer Salvador: «Deus é a salvação».
Dirigindo-se ao Senhor, ele exprime-se assim: «Os meus olhos viram a tua
salvação, que preparaste em favor de todos os povos; luz
para iluminar as nações e glória de Israel, teu povo» (Lc 2,
30-32). Nessa mesma altura, porém, Simeão dirige-se a Maria com as
seguintes palavras: «Ele é destinado a ser ocasião de queda e de
ressurgimento para muitos em Israel e a ser um sinal de contradição...
a fim de se revelarem os pensamentos de muitos corações»; e acrescenta,
com referência directa a Maria: «E tu mesma terás a alma trespassada por
uma espada» (Lc 2, 34-35). As palavras de Simeão colocam sob uma
luz nova o anúncio que Maria tinha ouvido do Anjo: Jesus é o Salvador, é
«luz para iluminar» os homens. Não foi isso que, de algum modo,
se manifestou na noite de Natal, quando os pastores vieram ao estábulo?
(cf. Lc 2, 8-20). Não foi isso o que se manifestou também e ainda
mais, aquando da vinda dos Magos do Oriente? (cf. Mt 2,
1-12 ) . Ao mesmo tempo, porém, logo desde o início da sua vida, o Filho
de Maria, e com ele a sua Mãe, experimentarão em si mesmos a verdade
daquelas outras palavras de Simeão: «Sinal de contradição» (Lc 2,
34). Aquilo que Simeão diz apresenta-se como um segundo anúncio a
Maria, uma vez que indica a dimensão histórica concreta em que o
Filho realizará a sua missão, ou seja, na incompreensão e na dor. Se
este outro anúncio confirma, por um lado, a sua fé no cumprimento das
promessas divinas da salvação, por outro, também lhe revela que ela terá
que viver a sua obediência de fé no sofrimento, ao lado do Salvador que
sofre, e que a sua maternidade será obscura e marcada pela dor. Com
efeito, depois da visita dos Magos, depois de eles lhe terem rendido
homenagem («prostrados o adoraram») e depois da oferta dos dons (cf.
Mt 2, 11), sucede que Maria, com o menino, tem de fugir para o
Egipto sob a proteção desvelada de José, porque Herodes estava a
«procurar o menino para o matar» (cf. Mt 2, 13). E teriam de
ficar no Egipto até à morte de Herodes (cf. Mt 2, 15).
17.
Depois da morte de Herodes, quando se dá o retorno da sagrada família a
Nazaré, inicia-se o longo período da vida oculta. Aquela que
«acreditou no cumprimento das coisas que lhe foram ditas da parte do
Senhor» (Lc 1, 45) vive no dia a dia o conteúdo dessas palavras.
O Filho a quem deu o nome de Jesus está quotidianamente ao seu
lado; assim, no contacto com ele, usa certamente este nome, o que não
devia, aliás, causar estranheza a ninguém, tratando-se de um nome que
era usual, desde havia muito tempo, em Israel. Maria sabe, no entanto,
que aquele a quem foi posto o nome de Jesus, foi chamado pelo
Anjo «Filho do Altíssimo» (cf. Lc 1, 32). Maria sabe
que o concebeu e deu à luz «sem ter conhecido homem», por obra do
Espírito Santo, com o poder do Altíssimo que sobre ela estendeu a sua
sombra (cf. Lc 1, 35), tal como nos tempos de Moisés e dos
antepassados a nuvem velava a presença de Deus (cf. Ex 24, 16;
40, 34-35; 1 Rs 8, 10-12). Maria sabe, portanto, que o Filho, por
ela dado à luz virginalmente, é precisamente aquele «Santo», «o Filho de
Deus» de que lhe havia falado o Anjo.
Durante os anos da vida oculta de Jesus na casa de Nazaré, também a
vida de Maria «está escondida com Cristo em Deus» (cf. Col
3, 3) mediante a fé. A fé, efectivamente, é um contacto com o
mistério de Deus. Maria está constante e quotidianamente em contacto com
o mistério inefável de Deus que se fêz homem, mistério que supera tudo
aquilo que foi revelado na Antiga Aliança. Desde o momento da
Anunciação, a mente da Virgem-Mãe foi introduzida na «novidade» radical
de autorevelação de Deus e tornada cônscia do mistério. Ela é a primeira
daqueles «pequeninos» dos quais um dia Jesus dirá: «Pai, ... escondeste
estas coisas aos sábios e aos sagazes e as revelaste aos pequeninos» (Mt
11, 25). Na verdade, «ninguém conhece o Filho senão o Pai» (Mt
11, 27). Como poderá então Maria «conhecer o Filho»? Certamente, não
como o Pai o conhece; e no entanto, ela é a primeira entre aqueles
aos quais o Pai «o quis revelar» (cf. Mt 11, 26-27; 1 Cor
2, 11). Se, porém, desde o momento da Anunciação lhe foi revelado o
Filho, que apenas o Pai conhece completamente, como Aquele que o gera no
«hoje» eterno (cf. Sl 2, 7), então Maria, a Mãe, está em contacto
com a verdade do seu Filho somente na fé e mediante a fé! Portanto, é
feliz porque «acreditou»; e acredita dia a dia, no meio de todas
as provações e contrariedades do período da infância de Jesus e, depois,
durante os anos da sua vida oculta em Nazaré, quando ele «lhes era
submisso» (Lc 2, 51): submisso a Maria e também a José, porque
José, diante dos homens, fazia para ele as vezes de pai; e era por isso
que o Filho de Maria era tido pela gente do lugar como «o filho do
carpinteiro» (Mt 13, 55).
A
Mãe, por conseguinte, lembrada de tudo o que lhe havia sido dito acerca
deste seu Filho, na Anunciação e nos acontecimentos sucessivos, é
portadora em si mesma da «novidade» radical da fé: o início da Nova
Aliança. Este é o início do Evangelho, isto é, da boa nova, da
jubilosa nova. Não é difícil, porém, perceber naquele início um
particular aperto do coração, unido a uma espécie de «noite da fé» -
para usar as palavras de São João da Cruz - como que um «véu» através do
qual é forçoso aproximar-se do Invisível e viver na intimidade com o
mistério. (36) Foi deste modo, efectivamente, que Maria, durante muitos
anos, permaneceu na intimidade com o mistério do seu Filho, e
avançou no seu itinerário de fé, à medida em que Jesus «crescia em
sabedoria ... e graça, diante de Deus e dos homens» (Lc 2, 52).
Manifestava-se cada vez mais aos olhos dos homens a predilecção que Deus
tinha por ele. A primeira entre estas criaturas humanas admitidas à
descoberta de Cristo foi Maria que, com Ele e com José, vivia na mesma
casa em Nazaré.
Todavia, na ocasião em que o reencontraram no templo, à pergunta da Mãe:
«Por que procedeste assim connosco?», Jesus - então menino de doze
anos - respondeu: «Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu
Pai?»; e o Evangelista acrescenta: «Mas eles (José e Maria)
não entenderam as suas palavras» (Lc 2, 48-50). Portanto,
Jesus tinha a consciência de que «só o Pai conhece o Filho» (cf. Mt
11, 27); tanto assim, que até aquela a quem tinha sido revelado mais
profundamente o mistério da sua filiação divina, a sua Mãe, vivia na
intimidade com este mistério somente mediante a fé! Encontrando-se
constantemente ao lado do Filho, sob o mesmo tecto, e «conservando
fielmente a união com o Filho» Ela «avançava na peregrinação da fé»,
como acentua o Concílio. (37) E assim sucedeu também durante a vida
pública de Cristo (cf. Mc 3, 21-35) pelo que, dia a dia, se
cumpriram nela as palavras abençoantes pronunciadas por Isabel, aquando
da Visitação: «Feliz daquela que acreditou».
18.
Estas palavras abençoantes atingem a plenitude do seu significado,
quando Maria está aos pés da Cruz do seu Filho (cf. Jo 19,
25). O Concílio afirma que isso «aconteceu não sem um desígnio divino»:
«padecendo acerbamente com o seu Unigénito, associando-se com ânimo
maternal ao seu sacrifício e consentindo com amor na imolação da vítima
que ela havia gerado», foi deste modo que Maria «conservou fielmente a
união com seu Filho até à Cruz», (38) a união mediante a fé: a mesma fé
com a qual tinha acolhido a revelação do Anjo no momento da Anunciação.
Nesse momento ela tinha também ouvido dizer: «será grande ..., o
Senhor Deus dar-lhe-á o trono de seu pai David..., reinará
eternamente na casa de Jacob e o seu reinado não terá fim» (Lc 1,
32-33).
E
agora, estando ali aos pés da Cruz, Maria é testemunha, humanamente
falando, do desmentido cabal dessas palavras. O seu Filho
agoniza, suspenso naquele madeiro como um condenado. «Desprezado e
rejeitado pelos homens; homem das dores...; era menosprezado e nenhum
caso fazíamos dele» ... como que destruído (cf. Is 53, 3-5 ).
Quão grande e quanto foi heróica então a «obediência da fé»
demonstrada por Maria diante dos «insondáveis desígnios» de Deus! Como
ela se «abandonou nas mãos de Deus» sem reservas, «prestando o pleno
obséquio da inteligência e da vontade» (39) Àquele cujas «vias são
imperscrutáveis!» (cf. Rom 11, 33). E, ao mesmo tempo, quanto se
mostra potente a acção da graça na sua alma e quanto é penetrante a
influência do Espírito Santo, da sua luz e da sua virtude!
Mediante essa sua fé, Maria está perfeitamente unida a Cristo no seu
despojamento. Com efeito, «Jesus Cristo, ... subsistindo na natureza
divina, não julgou o ser igual a Deus, um bem a que não devesse nunca
renunciar; mas despojou-se a si mesmo tomando a forma de servo,
tornando-se semelhante aos homens»: precisamente sobre o Gólgota
«humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte, e morte de
Cruz» (cf. Flp 2, 5-8). E aos pés da Cruz, Maria participa
mediante a fé no mistério desconcertante desse despojamento. Isso
constitui, talvez, a mais profunda «kénose» da fé na história da
humanidade. Mediante a fé, a Mãe participa na morte do Filho, na sua
morte redentora; mas, bem diferente da fé dos discípulos, que se davam à
fuga, a fé de Maria era muito mais esclarecida. Sobre o Gólgota, Jesus
confirmou definitivamente, por meio da Cruz, ser «o sinal de
contradição» predito por Simeão. Ao mesmo tempo, cumpriram-se aí as
palavras dirigidas pelo mesmo ancião a Maria: «E tu mesma terás a alma
trespassada por uma espada». (40)
19.
Sim, verdadeiramente, «feliz daquela que acreditou»! Estas palavras,
pronunciadas por Isabel já depois da Anunciação, parecem ressoar aqui,
aos pés da Cruz, com suprema eloquência; e a força que elas encerram,
torna-se penetrante. Da Cruz ou, por assim dizer, do próprio coração do
mistério da Redenção, se esparge a irradiação e se dilata a perspectiva
daquelas palavras abençoadoras da sua fé. Elas remontam «até ao
princípio» e, como participação no sacrifício de Cristo, novo Adão,
tornam-se, em certo sentido, o contrabalanço da desobediência
e da incredulidade presentes no pecado dos nossos primeiros pais.
Assim o ensinam os Padres da Igreja, especialmente Santo Ireneu, citado
na Constituição Lumen Gentium: «O nó da desobediência de Eva foi
desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a Virgem Eva atou, com a
sua incredulidade, a Virgem Maria desatou-o com a sua fé». (41) À
luz desta comparação com Eva, os mesmos Padres - como recorda ainda o
Concílio - chamam a Maria «mãe dos vivos» e afirmam muitas vezes: «A
morte veio por Eva, a vida por meio de Maria». (42)
Com
razão, portanto, podemos encontrar na expressão «feliz daquela que
acreditou» como que uma chave que nos abre o acesso à realidade
íntima de Maria: daquela que foi saudada pelo Anjo como «cheia da
graça». Se como «cheia de graça» ela esteve eternamente presente no
mistério de Cristo, agora, mediante a fé, torna-se dele participante em
toda a extensão do seu itinerário terreno: «avançou na peregrinação da
fé» e, ao mesmo tempo, de maneira discreta, mas directa e eficazmente,
tornava presente aos homens o mesmo mistério de Cristo. E ainda
continua a fazê-lo. E mediante o mistério de Cristo, também ela está
presente entre os homens. Deste modo, através do mistério do Filho,
esclarece-se também o mistério da Mãe.
3.
Eis a tua mãe
20. O
Evangelho de São Lucas regista o momento em que «uma mulher ergueu a voz
do meio da multidão e disse», dirigindo-se a Jesus: «Ditoso o ventre
que te trouxe e os seios a que foste amamentado!» (Lc 11,
27). Estas palavras constituíam um louvor para Maria, como mãe de Jesus
segundo a carne. A Mãe de Jesus talvez não fosse conhecida pessoalmente
por essa mulher; de facto, quando Jesus iniciou a sua actividade
messiânica, Maria não o acompanhava, mas continuava a viver em Nazaré.
Dir-se-ia que as palavras dessa mulher desconhecida a fizeram sair, de
algum modo, do seu escondimento.
Através de tais palavras lampejou no meio da multidão, ao menos por um
instante, o evangelho da infância de Jesus. É o evangelho em que Maria
está presente como a mãe que concebe Jesus no seu seio, o dá à luz e
maternamente o amamenta: a mãe-nutriz, a que alude aquela mulher do
povo. Graças a esta maternidade, Jesus - Filho do Altíssimo (cf.
Lc 1, 32 ) - é um verdadeiro filho do homem. É «carne»,
como todos os homens. é «o Verbo (que) se fez carne» (cf. Jo 1,
14). É carne e sangue de Maria! (43)
Mas,
às palavras abençoantes proferidas por aquela mulher em relação à sua
genetriz segundo a carne, Jesus responde de modo significativo: «Ditosos
antes os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc
11, 28). Ele quer desviar a atenção da maternidade entendida só como
um vínculo do sangue, para a orientar no sentido daqueles vínculos
misteriosos do espírito, que se formam com o prestar ouvidos e com a
observância da palavra de Deus.
A
mesma transferência, na esfera dos valores espirituais, delineia-se
ainda mais claramente numa outra resposta de Jesus, relatada por todos
os Sinópticos. Quando foi anunciado ao mesmo Jesus que a sua «mãe e os
seus irmãos estavam lá fora e desejavam vê-lo», ele respondeu: «Minha
mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em
prática» (cf. Lc 8, 20-21). Disse isto «percorrendo com o
olhar os que estavam sentados à volta dele», como lemos em São Marcos
(3, 34) ou, segundo São Mateus (12, 49), «indicando com a mão os seus
discípulos».
Estas
expressões parecem situar-se na linha daquilo que Jesus - então
menino de doze anos - respondeu a Maria e José, quando foi
reencontrado, depois de três dias, no templo de Jerusalém.
Agora, uma vez que Jesus já tinha saído de Nazaré para dar início à sua
vida pública por toda a Palestina, estava doravante completa e
exclusivamente «ocupado nas coisas do Pai» (cf. Lc 2, 49).
Ocupava-se em anunciar o Reino: o «Reino de Deus» e as «coisas do Pai»,
que dão também uma dimensão nova e um sentido novo a tudo aquilo que é
humano; e, por conseguinte, a todos os laços humanos, em relação com os
fins e as funções estabelecidos para cada um dos homens. Com esta nova
dimensão, também um laço, como o da «fraternidade» significa algo de
diverso da «fraternidade segundo a carne», que provém da origem comum
dos mesmos pais. E até mesmo a «maternidade», vista na
dimensão do Reino de Deus, na irradiação da paternidade do próprio Deus,
alcança um outro sentido. Com as palavras referidas por São Lucas,
Jesus ensina precisamente este novo sentido da maternidade.
Ter-se-á afastado, por causa disto, daquela que foi sua mãe, a sua
genetriz segundo a carne? Desejará, porventura, deixá-la na sombra do
escondimento, que ela própria escolheu? Embora assim possa parecer, se
nos ativermos só ao som material daquelas palavras, devemos observar, no
entanto, que a maternidade nova e diversa, de que Jesus fala aos seus
discípulos, refere-se precisamente a Maria e de modo especialíssimo. Não
é, acaso, Maria a primeira dentre «aqueles que ouvem a palavra de
Deus e a põem em prática»? E portanto, não se referirão sobretudo a
ela aquelas palavras abençoantes pronunciadas por Jesus, em resposta às
palavras da mulher anónima? Maria é digna, sem dúvida alguma, de tais
palavras de bênção, pelo facto de se ter tornado Mãe de Jesus segundo a
carne («Ditoso o ventre que te trouxe e os seios a que foste
amamentado»); mas é digna delas também e sobretudo porque, logo desde o
momento da Anunciação, acolheu a palavra de Deus e porque nela acreditou
e sempre foi obediente a Deus; ela, com efeito, «guardava» a
palavra, meditava-a «no seu coração» (cf. Lc 1, 38-45; 2, 19. 51)
e cumpria-a com toda a sua vida. Podemos, portanto, afirmar que as
palavras de bem-aventurança pronunciadas por Jesus não se contrapõem,
apesar das aparências, àquelas outras que foram proferidas pela mulher
desconhecida; mas antes, que com elas se coadunam na pessoa desta
Mãe-Virgem, que a si mesma se designou simplesmente como «serva do
Senhor» (Lc 1, 38). Se é verdade que «todas as gerações a
chamarão bem-aventurada» (cf. Lc 1, 48), pode dizer-se que aquela
mulher anónima foi a primeira a confirmar, sem disso ter consciência,
aquele versículo profético do Magnificat de Maria e a dar início
ao Magnificat dos séculos.
Se
Maria, mediante a fé, se tornou a genetriz do Filho que lhe foi
dado pelo Pai com o poder do Espírito Santo, conservando íntegra a sua
virgindade, com a mesma fé ela descobriu e acolheu a outra dimensão
da maternidade, revelada por Jesus no decorrer da sua missão
messiânica. Pode dizer-se que esta dimensão da maternidade era possuída
por Maria desde o início, isto é, desde o momento da concepção e do
nascimento do Filho. Desde então ela foi «aquela que acreditou». Mas, à
medida que se ia esclarecendo aos seus olhos e no seu espírito a missão
do Filho, ela própria, como Mãe, se ia abrindo cada vez mais para
aquela «novidade» da maternidade, que devia constituir a sua
«parte» ao lado do Filho. Não declarara ela, desde o princípio: «Eis a
serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra»? (Lc 1,
38). Maria continuava, pois, mediante a fé, a ouvir e a meditar aquela
palavra, na qual se tornava cada vez mais transparente, de um modo «que
excede todo conhecimento» (Ef 3, 19), a autorevelação de Deus
vivo. E assim, Maria Mãe tornava-se, em certo sentido, a primeira
«discípula» do seu Filho, a primeira a quem ele parecia dizer:
«Segue-me», mesmo antes de dirigir este chamamento aos Apóstolos ou a
quaisquer outros (cf. Jo 1, 43).
21.
Sob este ponto de vista, é particularmente eloquente aquele texto do
Evangelho de São João, que nos apresenta Maria nas bodas de Caná.
Maria aparece aí como Mãe de Jesus, que estava nos princípios da sua
vida pública: «Celebravam-se umas bodas em Caná de Galileia; e
encontrava-se lá a mãe de Jesus. Foi também convidado para as bodas
Jesus, com os seus discípulos (Jo 2, 1-2). Do texto resultaria
que Jesus e os seus discípulos foram convidados juntamente com Maria,
quiçá por motivo da presença dela nessa festa: o Filho parece ter sido
convidado em atenção à Mãe. É conhecida a sequência dos factos
relacionados com esse convite: aquele «início dos milagres» feitos por
Jesus - a água transformada em vinho - que leva o Evangelista a dizer:
Jesus «manifestou a sua glória e os seus discípulos acreditaram nele» (Jo
2, 11).
Maria
está presente em Caná de Galileia como Mãe de Jesus e contribui,
de modo significativo, para aquele «início dos milagres», que revelam o
poder messiânico do seu Filho. «Ora, vindo a faltar o vinho, a Mãe de
Jesus disse-lhe: "não têm mais vinho". E Jesus respondeu-lhe: "Que
importa isso, a mim e a ti, ó mulher? Ainda não chegou a minha hora"» (Jo
2, 3-4). No Evangelho de São João aquela «hora» significa o momento
estabelecido pelo Pai, em que o Filho levará a cabo a sua obra e há-de
ser glorificado (cf. Jo 7, 30; 8, 20; 12, 23. 27; 13, 1; 17, 1;
19, 27). Muito embora a resposta de Jesus à sua Mãe tenha as aparências
de uma recusa (sobretudo se, mais do que na interrogação, se reparar
naquela afirmação firme: «Ainda não chegou a minha hora»), mesmo assim
Maria dirige-se aos que serviam e diz-lhes: «Fazei aquilo que ele vos
disser» (Jo 2, 5). Então Jesus ordena a esses servos que encham
as talhas de água; e a água transforma-se em vinho, melhor do que aquele
que fora servido anteriormente aos convidados do banquete nupcial.
Que
entendimento profundo terá havido entre Jesus e a sua Mãe? Como se
poderá explorar o mistério da sua íntima união espiritual? De qualquer
modo, o facto é eloquente. Naquele evento é bem certo que já se delineia
bastante claramente a nova dimensão, o sentido novo da
maternidade de Maria. Esta tem um significado que não está encerrado
exclusivamente nas palavras de Jesus e nos diversos episódios referidos
pelos Sinópticos (Lc 11, 27-28 e Lc 8, 19-21; Mt
12, 46-50; Mc 3, 31-35). Nestes textos Jesus tem o intuito,
sobretudo, de contrapor a maternidade que resulta do próprio facto do
nascimento, àquilo que esta «maternidade» (assim como a «fraternidade»)
deve ser na dimensão do Reino de Deus, na irradiação salvífica da
paternidade do mesmo Deus. No texto de São João, ao contrário, a partir
da descrição dos factos de Caná, esboça-se aquilo em que se manifesta
concretamente esta maternidade nova, segundo o espírito e não somente
segundo a carne, ou seja, a solicitude de Maria pelos homens, o
seu ir ao encontro deles, na vasta gama das suas carências e
necessidades. Em Caná da Galileia torna-se patente só um aspecto
concreto da indigência humana, pequeno aparentemente e de pouca
importância («Não têm mais vinho»). Mas é algo que tem um valor
simbólico: aquele ir ao encontro das necessidades do homem significa, ao
mesmo tempo, introduzi-las no âmbito da missão messiânica e do poder
salvífico de Cristo. Dá-se, portanto, uma mediação: Maria põe-se de
permeio entre o seu Filho e os homens na realidade das suas privações,
das suas indigências e dos seus sofrimentos. Põe-se de «permeio»,
isto é, faz de mediadora, não como uma estranha, mas na sua posição de
mãe, consciente de que como tal pode - ou antes, «tem o direito de»
- fazer presente ao Filho as necessidades dos homens. A sua mediação,
portanto, tem um carácter de intercessão: Maria «intercede» pelos
homens. E não é tudo: como Mãe deseja também que se manifeste
o poder messiânico do Filho, ou seja, o seu poder salvífico que se
destina a socorrer as desventuras humanas, a libertar o homem do mal
que, sob diversas formas e em diversas proporções, faz sentir o peso na
sua vida. Precisamente como o profeta Isaías tinha predito acerca do
Messias, no famoso texto a que Jesus se refere na presença dos seus
conterrâneos de Nazaré: «Para anunciar aos pobres a boa-nova me enviou,
para proclamar aos prisioneiros a libertação e aos cegos a vista ...»
(cf. Lc 4, 18).
Outro
elemento essencial desta função maternal de Maria pode ser captado nas
palavras dirigidas aos que serviam à mesa: «Fazei aquilo que ele vos
disser». A Mãe de Cristo apresenta-se diante dos homens como
porta-voz da vontade do Filho, como quem indica aquelas exigências
que devem ser satisfeitas, para que possa manifestar-se o poder
salvífico do Messias. Em Caná, graças à intercessão de Maria e à
obediência dos servos, Jesus dá início à «sua hora». Em Caná, Maria
aparece como quem acredita em Jesus: a sua fé provoca da parte
dele o primeiro «milagre» e contribui para suscitar a fé dos discípulos.
22.
Podemos dizer, por conseguinte, que nesta página do Evangelho de São
João encontramos como que um primeiro assomo da verdade acerca da
solicitude maternal de Maria. Esta verdade teve a sua expressão também
no magistério do recente Concílio. É importante notar que a
função maternal de Maria é por ele ilustrada na sua relação com a
mediação de Cristo. Com efeito, podemos aí ler: «A função maternal de
Maria para com os homens, de modo algum obscurece ou diminui esta única
mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia», porque «um só é o
mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus» (1 Tim 2,
5). Esta função maternal de Maria promana, segundo o beneplácito de
Deus, «da superabundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua
mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua eficácia».
(44) É precisamente neste sentido que o evento de Caná da Galileia nos
oferece como que um preanúncio da mediação de Maria, toda ela
orientada para Cristo e propendente para a revelação do seu poder
salvífico.
Do
texto joanino transparece que se trata de uma mediação materna. Como
proclama o Concílio: Maria «foi para nós mãe na ordem da graça». Esta
maternidade na ordem da graça resultou da sua própria maternidade
divina: porque sendo ela, por disposição da divina Providência,
mãe-nutriz do Redentor, foi associada à sua obra, de maneira única, como
«amiga generosa» e humilde «serva do Senhor», que «cooperou ... na obra
do Salvador com a obediência e com a sua fé, esperança e caridade
ardente, para restaurar nas almas a vida sobrenatural». (45) «E esta
maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção...
até à consumação perpétua de todos os eleitos». (46)
23.
Se esta passagem do Evangelho de São João, sobre os factos de Caná,
apresenta a maternidade desvelada de Maria no início da actividade
messiânica de Cristo, há uma outra passagem do mesmo Evangelho que
confirma esta maternidade na economia salvífica da graça no seu momento
culminante, isto é, quando se realiza o sacrifício de Cristo na Cruz, o
seu mistério pascal. A descrição de São João é concisa: «Estavam
junto à Cruz de Jesus sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de
Clopá, e Maria de Magdala. Jesus, então, vendo a mãe e perto dela o
discípulo que amava, disse à mãe: "Mulher, eis o teu filho!". Depois,
disse ao discípulo: "Eis a tua mãe!". E a partir daquele momento, o
discípulo levou-a para a sua casa» (Jo 19-, 25-27).
Neste
episódio reconhece-se, sem dúvida, uma expressão do desvelo singular do
Filho para com a Mãe, que Ele ia deixar no meio de tanto sofrimento.
Todavia, quanto ao sentido deste desvelo, o «testamento da Cruz» de
Cristo diz algo mais. Jesus põe em relevo um vínculo novo entre Mãe e
Filho, do qual confirma solenemente toda a verdade e realidade. Pode
dizer-se que, se a maternidade de Maria em relação aos homens já tinha
aflorado e se tinha delineado em precedência, agora é claramente
precisada e estabelecida: ela emerge da maturação definitiva do
mistério pascal do Redentor. A Mãe de Cristo, encontrando-se na
irradiação directa deste mistério que abrange o homem - todos e cada um
dos homens - é dada ao homem - a todos e cada um dos homens - como mãe.
Este homem aos pés da Cruz é João, «o discípulo que ele amava». (47)
Porém não é ele como um só homem. A Tradição e o Concílio não hesitam em
chamar a Maria «Mãe de Cristo e Mãe dos homens»: ela está,
efectivamente, associada na descendência de Adão com todos os homens...,
mais ainda, é verdadeiramente mãe dos membros (de Cristo)..., porque
cooperou com o seu amor para o nascimento dos fiéis na Igreja». (48)
Esta
«nova maternidade de Maria», portanto, gerada pela fé, é fruto do
«novo» amor, que nela amadureceu definitivamente aos pés da Cruz,
mediante a sua participação no amor redentor do Filho.
24.
Encontramo-nos assim no próprio centro do cumprimento da promessa,
contida no Proto-Evangelho: a «descendência da mulher esmagará a cabeça
da serpente» (cf. Gén 3, 15). Jesus Cristo, de facto, com a sua
morte redentora vence o mal do pecado e da morte nas suas próprias
raízes. É significativo que, dirigindo-se à Mãe do alto da Cruz, Ele lhe
chame «mulher», ao dizer-lhe: «Mulher, eis o teu filho». Com o mesmo
termo, de resto, se tinha dirigido também a ela em Caná (cf. Jo
2, 4). Como duvidar de que, especialmente agora, no alto do Gólgota,
esta frase atinja em profundidade no mistério de Maria, pondo em realce
o «lugar» singular que ela tem em toda a economia da salvação?
Como ensina o Concílio, com Maria, «excelsa Filha de Sião, passada a
longa espera da promessa, completam-se os tempos e instaura-se uma nova
economia, quando o Filho de Deus assumiu dela a natureza humana, para
libertar o homem do pecado, por meio dos mistérios da sua carne». (49)
As
palavras que Jesus pronuncia do alto da Cruz significam que a
maternidade da sua Genetriz tem uma «nova» continuação na Igreja
e mediante a Igreja, simbolizada e representada por São João. Deste
modo, aquela que, como «a cheia de graça», foi introduzida no mistério
de Cristo para ser sua Mãe, isto é, a Santa Genetriz de Deus, por
meio da Igreja permanece naquele mistério como «a mulher»
indicada pelo Livro do Génesis (cf. 3, 15), no princípio, e pelo
Apocalipse (cf. 12, 1), no final da história da salvação. Segundo
o eterno desígnio da Providência, a maternidade divina de Maria deve
estender-se à Igreja, como estão a indicar certas afirmações da
Tradição, segundo as quais a maternidade de Maria para com a Igreja é o
reflexo e o prolongamento da sua maternidade para com o Filho de Deus.
(50)
O
próprio momento do nascimento da Igreja e da sua plena manifestação ao
mundo, segundo o Concílio, já deixa entrever esta continuidade da
maternidade de Maria: «Tendo sido do agrado de Deus não manifestar
solenemente o mistério da salvação humana, antes de ter derramado o
Espírito prometido por Cristo, vemos os Apóstolos, antes do dia
do Pentecostes, "assíduos e concordes na oração, com algumas
mulheres e com Maria a Mãe de Jesus e com os irmãos dele" (Act
1, 14), implorando também Maria, com suas orações, o dom daquele
Espírito que já tinha estendido sobre ela a sua sombra, na Anunciação».
(51)
Sendo
assim, na economia redentora da graça, actuada sob a acção do Espírito
Santo, existe uma correspondência singular entre o momento da Incarnação
do Verbo e o momento do nascimento da Igreja. E a pessoa que une estes
dois momentos é Maria: Maria em Nazaré e Maria no Cenáculo de
Jerusalém. Em ambos os casos, a sua presença discreta, mas
essencial, indica a via do «nascimento do Espírito». Assim, aquela que
está presente no mistério de Cristo como Mãe, torna-se — por vontade do
Filho e por obra do Espírito Santo — presente no mistério da Igreja. E
também na Igreja continua a ser uma presença materna, como
indicam as palavras pronunciadas na Cruz: «Mulher, eis o teu Filho»;
«Eis a tua Mãe».
SEGUNDA PARTE
A MÃE
DE DEUS NO CENTRO DA IGREJA QUE ESTÁ A CAMINHO
1.
A Igreja, Povo de Deus presente em todas as nações da terra
25.
«A Igreja "prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do
mundo e das consolações de Deus", (52) anunciando a paixão e a morte do
Senhor até que ele venha (cf. 1 Cor 11,26)». (53) «Assim como
Israel segundo a carne, que peregrinava no deserto, é já chamado Igreja
de Deus (cf. Esdr 13, 1; Núm 20, 4; Dt 23, 1 ss.),
também o novo Israel... se chama Igreja de Cristo (cf. Mt 16,18),
porque Ele a adquiriu com o seu próprio sangue (cf. Act 20, 28),
a encheu com o seu Espírito e a dotou com os meios adequados para a
unidade visível e social. A todos aqueles que olham com fé para Jesus,
como autor da salvação e princípio de unidade e de paz, Deus convocou-os
e constituiu com eles a Igreja, a fim de que ela seja para todos e cada
um sacramento visível desta unidade salvífica». (54)
O
Concílio Vaticano II fala da Igreja que ainda está a caminho,
estabelecendo uma analogia com o Israel da Antiga Aliança em
peregrinação através do deserto. A peregrinação possui um carácter
também externo, visível no tempo e no espaço, em que ela se
efectua historicamente. A Igreja, de facto, «devendo estender-se a toda
a terra», «entra na história dos homens, mas simultaneamente transcende
os tempos e as fronteiras dos povos». (55) Porém, o carácter
essencial desta peregrinação da Igreja é interior: trata-se de
uma peregrinação mediante a fé, pela «virtude do Senhor
ressuscitado», (56) de uma peregrinação no Espírito Santo, que foi dado
à Igreja como Consolador invisível (paraklétos) (cf. Jo
14,26; 15, 26; e 16,7): «Por entre as tentações e tribulações que vai
encontrando no seu peregrinar, a Igreja é confortada pela força da graça
de Deus, que lhe foi prometida pelo Senhor, para que... não cesse nunca
de renovar-se, com o auxílio do Espírito Santo, até que, pela Cruz,
chegue àquela luz que não conhece ocaso». (57)
Precisamente ao longo desta caminhada-peregrinação eclesial,
através do espaço e do tempo e, mais ainda, através da história das
almas, Maria está presente, como aquela que é «feliz porque
acreditou», como aquela que avançava na peregrinação da fé, participando
como nenhuma outra criatura no mistério de Cristo. Diz ainda o Concílio
que «Maria ... pela sua participação íntima na história da salvação,
reúne, por assim dizer, e reflecte em si os imperativos mais altos da
fé». (58) Ela é, entre todos os que acreditam, como um «espelho»,
em que se reflectem da maneira mais profunda e mais límpida «as
maravilhas de Deus» (Act 2, 11).
26.
Edificada por Cristo sobre os Apóstolos, a Igreja tornou-se plenamente
cônscia destas «maravilhas de Deus» no dia do Pentecostes, quando
os que estavam congregados no Cenáculo de Jerusalém «ficaram todos
cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, segundo o
Espírito Santo lhes concedia que se exprimissem» (Act 2, 4). A
partir desse momento começa também aquela caminhada de fé, a
peregrinação da Igreja através da história dos homens e dos povos. É
sabido que, ao iniciar-se essa caminhada, Maria se encontrava presente;
vemo-la no meio dos Apóstolos no Cenáculo de Jerusalém, «implorando com
as suas orações o dom do Espírito». (59)
A sua
caminhada de fé, em certo sentido, é mais longa. O Espírito Santo já
tinha descido sobre ela, que se tornou sua fiel esposa na Anunciação,
acolhendo o Verbo de Deus vivo, rendendo «o obséquio pleno da
inteligência e da vontade e prestando o voluntário assentimento à Sua
revelação»; ou melhor, abandonando-se totalmente nas mãos de Deus,
«mediante a obediência de fé», (60) pelo que respondeu ao Anjo: «Eis a
serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,
38). Assim, a caminhada de fé de Maria, que vemos a orar no Cenáculo, é
«mais longa» do que a dos outros que aí se encontravam reunidos: Maria
«precede-os», «vai adiante» deles. (61) O momento do Pentecostes
em Jerusalém foi preparado pelo momento da Anunciação em Nazaré.
No Cenáculo, o «itinerário» de Maria encontra-se com a caminhada da fé
da Igreja. E de que modo?
Entre
aqueles que eram assíduos à oração no Cenáculo, preparando-se para ir
«por todo o mundo» depois de receber o Espírito Santo, alguns tinham
sido chamados por Jesus, uns após outros, sucessivamente, desde os
primórdios da sua missão em Israel. Onze dentre eles tinham sido
constituídos Apóstolos; e a estes Jesus tinha transmitido a missão
que ele próprio recebera do Pai: «Assim como o Pai me enviou, também eu
vos envio a vós» (Jo 20, 21), tinha Ele dito aos mesmos Apóstolos
depois da Ressurreição. E, passados quarenta dias, antes de voltar para
o Pai, tinha acrescentado ainda: «quando o Espírito Santo tiver descido
sobre vós..., sereis minhas testemunhas até às extremidades da
terra» (cf. Act 1, 8). Esta missão dos Apóstolos teve início a
partir do momento da sua saída do Cenáculo de Jerusalém. A Igreja nasce
e começa então a crescer, mediante o testemunho que Pedro e os demais
Apóstolos dão acerca de Cristo crucificado e ressuscitado (cf. Act
2, 31-34; 3, 15-18; 4, 10-12; 5, 30-32).
Maria não recebeu directamente esta missão apostólica. Não se
encontrava entre aqueles que Jesus enviou «por todo o mundo para ensinar
todas as gentes» (cf. Mt 28, 19), quando lhes conferiu tal
missão. Estava, porém, no Cenáculo, onde os Apóstolos se preparavam para
assumir esta sua missão com a vinda do Espírito da Verdade: Maria estava
com eles. No meio deles ela era «assídua na oração» como Mãe de Jesus»
(cf. Act 1, 13-14), ou seja, de Cristo crucificado e
ressuscitado. E esse primeiro núcleo daqueles que se voltavam «com fé
para Jesus Cristo, autor da salvação», (62) estava consciente de que o
mesmo Jesus era o Filho de Maria e que ela era sua Mãe; e como tal desde
o momento da concepção e do nascimento, ela era uma testemunha
especial do mistério de Jesus, daquele mistério que tinha sido
expresso e confirmado diante dos seus olhos com a Cruz e a Ressurreição.
A Igreja, portanto, desde o primeiro momento, «olhou» para Maria através
de Jesus, como também «olhou» para Jesus através de Maria. Ela foi para
a Igreja de então e de sempre uma testemunha singular dos anos da
infância de Jesus e da sua vida oculta em Nazaré, período em que ela «conservava
todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lc
2, 19; Lc 2, 51).
Mas
na Igreja de então como na Igreja de sempre, Maria foi e é, sobretudo,
aquela que é «feliz porque acreditou»: foi quem primeiro acreditou.
Desde o momento da Anunciação e da concepção e depois do nascimento na
gruta de Belém, Maria acompanhou passo a passo Jesus, na sua materna
peregrinação de fé. Acompanhou-o ao longo dos anos da sua vida oculta em
Nazaré; acompanhou-o também durante o período da separação externa,
quando ele começou a dedicar-se às «obras e ao ensino» (cf. Act
1, 1 ) no seio de Israel; e acompanhou-o, sobretudo, na experiência
trágica do Gólgota. E agora, enquanto Maria se encontrava com os
Apóstolos no Cenáculo de Jerusalém, nos albores da Igreja, recebia
confirmação a sua fé, nascida das palavras da Anunciação. O Anjo
tinha-lhe dito então: «Conceberás e darás à luz um filho, ao qual porás
o nome de Jesus. Ele será grande ... e reinará eternamente sobre a casa
de Jacob e o seu reinado não terá fim» (Lc 1, 32-33). Os
acontecimentos do Calvário, havia pouco ainda, tinham envolvido em
trevas esta promessa; e contudo, mesmo aos pés da Cruz, não tinha
desfalecido a fé de Maria. Ela, ainda ali, permanecia aquela que, como
Abraão, «acreditou, esperando contra toda a esperança» (Rom 4,
18). E assim, depois da Ressurreição, a esperança tinha desvelado o seu
verdadeiro rosto e a promessa tinha começado a transformar-se em
realidade. Com efeito, Jesus, antes de voltar para o Pai, dissera
aos Apóstolos: «Ide e ensinai todas as gentes... Eis que eu estou
convosco, todos os dias, até ao fim do mundo» (cf. Mt 28, 19.
20). Dissera assim aquele que, com a sua Ressurreição, se tinha revelado
como o triunfador da morte, como o detentor de um reinado «que não terá
fim», conforme o Anjo tinha anunciado.
27.
Agora, nos albores da Igreja, no princípio da sua longa caminhada
mediante a fé, que se iniciava em Jerusalém com o Pentecostes, Maria
estava com todos aqueles que então constituíam o gérmen do «novo
Israel». Estava presente no meio deles como uma testemunha excepcional
do mistério de Cristo. E a Igreja era assídua na oração juntamente com
ela e, ao mesmo tempo, «contemplava-a à luz do Verbo feito homem».
E assim viria a ser sempre. Com efeito, sempre que a Igreja «penetra
mais profundamente no insondável mistério da Incarnação», ela pensa na
Mãe de Cristo com entranhada veneração e piedade. (63) Maria faz parte
indissoluvelmente do mistério de Cristo; e faz parte também do mistério
da Igreja desde o princípio, desde o dia do seu nascimento. Na base
daquilo que a Igreja é desde o inicio, daquilo que ela deve tornar-se
continuamente, de geração em geração, no seio de todas as nações da
terra, encontra-se «aquela que acreditou no cumprimento das coisas que
lhe foram ditas da parte do Senhor» (Lc 1, 45). Esta fé de Maria,
precisamente, que assinala o início da nova e eterna Aliança de Deus com
a humanidade em Jesus Cristo, esta sua fé heróica «precede» o
testemunho apostólico da Igreja e permanece no coração da mesma
Igreja, escondida como uma herança especial da revelação de Deus. Todos
aqueles que, de geração em geração, aceitando o testemunho apostólico da
Igreja, começam a participar nessa herança misteriosa, participam, em
certo sentido, na fé de Maria.
As
palavras de Isabel «feliz daquela que acreditou», continuam a acompanhar
a Virgem Maria também no Pentecostes; seguem-na de época para época,
para onde quer que se estenda, através do testemunho apostólico e do
serviço da Igreja, o conhecimento do mistério salvífico de Cristo. E
assim se cumpre a profecia do Magnificat: «Hão-de me chamar
bem-aventurada todas as gerações, porque fez em mim grandes coisas o
Todo-poderoso. É santo o seu nome» (Lc 1, 48-49). Ao conhecimento
do mistério de Cristo segue-se, efectivamente, a bênção de sua Mãe, sob
a forma de especial veneração para com a Theotókos. E nessa
veneração estão incluídas sempre as palavras abençoadoras da sua fé. Com
efeito, a Virgem de Nazaré, segundo as palavras de Isabel na altura da
Visitação, tornou-se ditosa sobretudo mediante essa sua fé. Aqueles que,
de geração em geração, no seio de diversos povos e nações, acolhem com
fé o mistério de Cristo, Verbo Incarnado e Redentor do mundo, não só se
voltam com veneração e recorrem confiadamente a Maria como a sua Mãe,
mas na sua fé procuram também o apoio para a própria fé. E
precisamente esta participação viva na fé de Maria decide de uma sua
presença especial na peregrinação da Igreja, como novo Povo de Deus
espalhado por toda a terra.
28.
Como diz o Concílio, «Maria ... pela sua participação íntima na história
da salvação... quando é exaltada e honrada, atrai os fiéis ao seu Filho
e ao sacrifício dele, bem como ao amor do Pai» (64) Por isso, a fé de
Maria, atendo-nos ao testemunho apostólico da Igreja, torna-se, de
alguma maneira, incessantemente a fé do Povo de Deus que está a caminho:
a fé das pessoas e das comunidades, dos encontros e das assembleias e,
enfim, dos diversos grupos que existem na Igreja. Trata-se de uma fé que
se transmite mediante o conhecimento e o coração ao mesmo tempo; de uma
fé que se adquire ou readquire continuamente mediante a oração. É por
isso que, «também na sua acção apostólica, a Igreja olha com razão
para aquela que gerou Cristo, o qual foi concebido por obra do
Espírito Santo e nasceu da Virgem precisamentepara nascer e crescer
também no coração dos fiéis, por meio da Igreja». (65)
Hoje,
quando nesta peregrinação de fé já nos aproximamos do final do Segundo
Milénio cristão, a Igreja, por intermédio do magistério do Concílio
Vaticano II, chama a atenção para aquilo que ela reconhece ser, em si
mesma: um «só Povo de Deus ... que se encontra radicado em todas as
nações do mundo»; e, igualmente, para a verdade segundo a qual todos os
féis, embora «espalhados pelo mundo, comunicam com os restantes por meio
do Espírito Santo», (66) de sorte que pode dizer-se que nesta união se
realiza continuamente o mistério do Pentecostes. Ao mesmo tempo, os
apóstolos e os discípulos do Senhor, em todas as nações da terra,
«entregam-se assiduamente à oração, em companhia de Maria, a mãe de
Jesus» (cf. Act 1, 14). Constituindo de geração em geração o
«sinal do Reino» que «não é deste mundo», (67) eles estão cônscios de
que no meio deste mundo devem congregar-se em torno daquele Rei,
ao qual foram dadas em posse as nações, para seu domínio (cf. Sl
2, 8), e ao qual Deus e Senhor deu «o trono de David, seu pai», de modo
que ele «reinará eternamente na casa de Jacob e o seu reinado não terá
fim» (cf. Lc 1, 33).
Neste
tempo de vigília, Maria, mediante a mesma fé que a tornou feliz a ela,
especialmente a partir do momento da Anunciação, está presente na
missão da Igreja, presente na obra da Igreja que introduz
no mundo do Reino do seu Filho. (68) Esta presença de Maria, nos
dias de hoje, como aliás ao longo de toda a história da Igreja, encontra
múltiplos meios de expressão. Possui também um multiforme raio de acção:
mediante a fé e a piedade dos fiéis; mediante as tradições das famílias
cristãs ou «igrejas domésticas», das comunidades paroquiais e
missionárias, dos institutos religiosos e das dioceses; e mediante o
poder de atracção e irradiação dos grandes santuários, onde não apenas
as pessoas individualmente ou grupos locais, mas por vezes inteiras
nações e continentes procuram o encontro com a Mãe do Senhor, com Aquela
que é feliz porque acreditou, que é a primeira entre aqueles que
acreditaram e por isso se tornou a Mãe do Emanuel. Na mesma linha se
enquadra o apelo da Terra da Palestina, pátria espiritual de todos os
cristãos, porque foi a pátria do Salvador do mundo e da sua Mãe; de
igual modo, o apelo dos numerosos templos que a fé cristã ergueu no
decorrer dos séculos em Roma e no mundo inteiro; e, ainda, o apelo de
centros como Guadalupe, Lourdes, Fátima e os outros espalhados pelos
diversos países, entre os quais, como poderia eu deixar de recordar o da
minha terra natal, Jasna Góra? Talvez se pudesse falar de uma
«geografia» específica da fé e da piedade marianas, a qual abrange todos
estes lugares de particular peregrinação do Povo de Deus; este busca o
encontro com a Mãe de Cristo, procurando achar no clima de especial
irradiação da presença materna «daquela que acreditou», a consolidação
da própria fé.
Com
efeito, na fé de Maria, já aquando da Anunciação e de forma
completa aos pés da Cruz, reabriu-se para o homem um certo espaço
interior, no qual o eterno Pai pode locupletar-nos com «toda a sorte
de bênçãos espirituais»: o espaço da «nova e eterna Aliança» (69) Este
espaço subsiste na Igreja que, em Cristo, é como que «um sacramento da
íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano». (70)
É
pela fé, pois, aquela fé que Maria professou na Anunciação «como serva
do Senhor» e com a qual constantemente «precede» o Povo de Deus que está
a caminho sobre a terra, que a Igreja «tende eficaz e constantemente
à recapitulação de toda a humanidade... sob a Cabeça, Cristo,
na unidade do seu Espírito». (71)
2.
A caminhada da Igreja e a unidade de todos os Cristãos
29.
«O Espírito suscita em todos os discípulos de Cristo o desejo e a acção
em vista de que todos, segundo o modo estabelecido por Cristo,
se unam pacificamente num só rebanho e sob um só pastor».
(72) A caminhada da Igreja, especialmente na nossa época, está marcada
pelo sinal do Ecumenismo: os cristãos procuram as vias para reconstituir
aquela unidade que Cristo invocava do Pai para os seus discípulos nas
vésperas da sua paixão: «para que todos sejam uma coisa só. Assim
como tu, ó Pai, estás em mim e eu em ti, também eles sejam um em nós, a
fim de que o mundo creia que tu me enviaste» (Jo 17, 21).
A unidade dos discípulos de Cristo, portanto, é um sinal influente para
suscitar a fé do mundo; ao passo que a sua divisão constitui um
escândalo. (73)
O
movimento ecuménico, com base numa consciência mais lúcida e difundida
da urgência de se chegar à unidade de todos os cristãos, teve a sua
expressão culminante, por parte da Igreja católica, na obra do Concílio
Vaticano II: é preciso que os mesmos cristãos aprofundem em si próprios
e em cada uma das suas comunidades aquela «obediência de fé» de que
Maria Santíssima é o primeiro e o mais luminoso exemplo. E uma vez que
ela «brilha agora diante do Povo de Deus ainda peregrinante como sinal
de esperança segura e de consolação», «é motivo de uma grande alegria e
de consolação para o sagrado Concílio o facto de não faltar entre os
irmãos desunidos quem tribute à Mãe do Senhor e Salvador a devida
honra, sobretudo entre os Orientais». (74)
30.
Os cristãos sabem que a unidade entre eles só poderá ser reencontrada
verdadeiramente se estiver fundada sobre a unidade da sua fé. Eles devem
resolver discordâncias não leves de doutrina, quanto ao mistério e ao
ministério da Igreja e quanto à função de Maria na obra da salvação.
(75) Os diálogos já entabulados pela Igreja católica com as Igrejas
orientais e com as Igrejas e Comunidades eclesiais do Ocidente (76) vão
convergindo, cada vez mais, para estes dois aspectos inseparáveis
do próprio mistério da salvação. Se o mistério do Verbo Incarnado nos
faz vislumbrar o mistério da maternidade divina e se a contemplação da
Mãe de Deus, por sua vez, nos introduz numa compreensão mais profunda do
mistério da Incarnação, o mesmo se deve dizer do mistério da Igreja e da
função de Maria na obra da salvação. Ao aprofundar um e outro e ao
tentar esclarecer um por meio do outro, os cristãos, desejosos de fazer
— como lhes recomenda a sua Mãe — o que Jesus lhes disser (cf. Jo
2, 5), poderão progredir juntos naquela «peregrinação da fé» de que
Maria é sempre o exemplo e que deve conduzi-los à unidade, querida pelo
seu único Senhor e tão desejada por aqueles que estão prontos a ouvir
atentamente o que o Espírito diz hoje às Igrejas (cf. Apoc 2, 7.
11. 17).
Entretanto, é um bom presságio que estas Igrejas e Comunidades eclesiais
estejam concordes em pontos fundamentais da fé cristã, também pelo que
diz respeito à Virgem Maria. Elas, de facto, reconhecem-na como Mãe do
Senhor e acham que isso faz parte da nossa fé em Cristo, verdadeiro Deus
e verdadeiro homem. Ademais, volvem para ela o olhar, aceitando ser
Aquela que, aos pés da Cruz, acolhe o discípulo amado como seu filho, o
qual, por sua vez, a recebe a ela como mãe.
Por
que, então, não olhar todos conjuntamente para a nossa Mãe comum,
que intercede pela unidade da família de Deus e que a todos «precede», à
frente do longo cortejo das testemunhas da fé no único Senhor, o Filho
de Deus, concebido no seu seio virginal por obra do Espírito Santo?
31.
Desejo realçar, por outro lado, quanto a Igreja católica, a Igreja
ortodoxa e as antigas Igrejas orientais se sentem profundamente unidas
no amor e louvor à Theotókos. Não só «os dogmas fundamentais da
fé cristã acerca da Trindade e do Verbo de Deus, que assumiu a carne da
Virgem Maria, foram definidos nos Concílios ecuménicos celebrados no
Oriente», (77) mas também no seu culto litúrgico «os Orientais exaltam
com hinos esplêndidos Maria sempre Virgem ... e Santíssima Mãe de Deus».
(78)
Os
irmãos destas Igrejas passaram por vicissitudes complexas; mas a sua
história foi sempre animada por um vivo desejo de empenhamento cristão e
de irradiação apostólica, embora muitas vezes marcada por perseguições,
mesmo cruentas. É uma história de fidelidade ao Senhor, uma autêntica
«peregrinação da fé» através dos lugares e dos tempos, nos quais os
cristãos orientais sempre se voltaram com ilimitada confiança para a Mãe
do Senhor, a celebraram com louvores e a invocaram constantemente com
orações. Nos momentos difíceis da sua existência cristã atribulada,
«eles refugiaram-se sob a sua protecção», (79) conscientes de
encontrarem nela um poderoso auxílio. As Igrejas que professam a
doutrina de Éfeso, proclamam a Virgem Maria «verdadeira Mãe de Deus»,
por isso mesmo que «nosso Senhor Jesus Cristo, nascido do Pai antes de
todos os séculos segundo a divindade, nos últimos tempos, por nós e para
nossa salvação, foi gerado pela Virgem Maria Mãe de Deus segundo a
humanidade», (80) Os Padres gregos e a tradição bizantina, contemplando
a Virgem Santíssima à luz do Verbo feito homem, procuraram penetrar na
profundidade daquele vínculo que une Maria, enquanto Mãe de Deus, a
Cristo e à Igreja: ela é uma presença permanente em toda a amplidão do
mistério salvífico.
As
tradições coptas e etiópicas foram introduzidas nessa contemplação do
mistério de Maria por São Cirilo de Alexandria; e, por sua vez,
celebraram-na com uma abundante florescência poética. (81) O génio
poético de Santo Efrém, o Sirio, denominado «a cítara do Espirito
Santo», cantou infatigavelmente a Virgem Maria, deixando um rasto ainda
visível em toda a tradição da Igreja siríaca. (82) No seu panegírico da
Theotókos, São Gregório de Narek, uma das mais fúlgidas glórias
da Arménia, com vigoroso estro poético, aprofundou os diversos aspectos
do mistério da Incarnação; e cada um destes aspectos é para ele ocasião
de cantar e exaltar a dignidade extraordinária e a beleza esplendorosa
da Virgem Maria, Mãe do Verbo Incarnado. (83)
Não é
para admirar, pois, que Maria tenha um lugar privilegiado no culto das
antigas Igrejas orientais, com uma abundância admirável de festas e de
hinos.
32.
Na liturgia bizantina, em todas as horas do Ofício divino, o louvor da
Mãe anda unido ao louvor do Filho e ao louvor que, por meio do Filho, se
eleva ao Pai no Espírito Santo. Na anáfora ou oração eucarística de São
João Crisóstomo, imediatamente depois da epiclése, a comunidade reunida
canta desta forma à Mãe de Deus: «É verdadeiramente justo proclamar-vos
bem-aventurada, ó Deípara, que sois felicíssima, toda pura e Mãe do
nosso Deus. Nós vos magnificamos: a vós, que sois mais digna de honra do
que os querubins e incomparavelmente mais gloriosa do que os serafins! A
vós que, sem perder a vossa virgindade, destes ao mundo o Verbo de Deus!
A vós, que sois verdadeiramente a Mãe de Deus»!
Semelhantes louvores, que em cada celebração da liturgia eucarística se
elevam a Maria Santíssima, forjaram a fé, a piedade e a oração dos
fiéis. No decorrer dos séculos tais louvores impregnaram todas as
expressões da sua espiritualidade, suscitando neles uma devoção profunda
para com a «Santíssima Mãe de Deus».
33.
Este ano ocorre o XII centenário do segundo Concílio Ecuménico de Niceia
(a. 787), no qual, para resolução da conhecida controvérsia acerca do
culto das imagens sagradas, foi definido que, segundo o ensino dos
santos Padres e segundo a tradição universal da Igreja, se podiam propôr
à veneração dos fiéis, conjuntamente com a Cruz, as imagens da Mãe de
Deus, dos Anjos e dos Santos, tanto nas igrejas como nas casas ou ao
longo dos caminhos. (84) Este costume foi conservado em todo o Oriente e
também no Ocidente: as imagens da Virgem Maria têm um lugar de honra nas
igrejas e nas casas. Maria é representada: ou como trono de Deus, que
sustenta o Senhor e o doa aos homens (Theotókos); ou como caminho
que leva a Cristo e o mostra (Odigitria); ou como orante, em
atitude de intercessão e sinal da presença divina nos caminhos dos
fiéis, até ao dia do Senhor (Deisis); ou como protectora, que
estende o seu manto sobre os povos (Pokrov); ou, enfim, como
Virgem misericordiosa e cheia de ternura (Eleousa). Ela é
representada, habitualmente, com o seu Filho, o Menino Jesus, que tem
nos braços: é a relação com o Filho que glorifica a Mãe. Algumas vezes,
ela abraça-o com ternura (Glykofilousa); outras vezes, está
hiératica e parece absorvida na contemplação daquele que é o Senhor da
história (cf. Apoc 5, 9-14). (85)
Convém também recordar a Ícone de Nossa Senhora de Vladimir, que
constantemente acompanhou a peregrinação de fé dos povos da antiga «Rus'».
Aproxima-se o primeiro Milénio da conversão ao Cristianismo daquelas
nobres terras: terras de gente humilde, de pensadores e de santos. As
Ícones são veneradas ainda hoje na Ucrânia, na Bielo-Rússia (ou Rússia
Branca) e na Rússia, sob diversos títulos: são imagens que atestam a fé
e o espírito de oração daquele povo bondoso, que adverte a presença e a
protecção da Mãe de Deus. Nessas Ícones a Virgem Maria resplandece como
reflexo da beleza divina, morada da eterna Sabedoria, figura da orante,
protótipo da contemplação e imagem da glória: tenta-se representar
aquela que, desde o início da sua vida terrena, possuindo a ciência
espiritual inacessível aos raciocínios humanos, com a fé alcançou o
conhecimento mais sublime. Recordo, ainda, a Ícone da Virgem do
Cenáculo, em oração com os Apóstolos, aguardando a vinda do Espírito:
não poderia ela tornar-se sinal de esperança para todos aqueles que, no
diálogo fraterno, querem aprofundar a própria obediência da fé?
34.
Tamanha riqueza de louvores, acumulada pelas diversas formas da grande
tradição da Igreja, poderia ajudar-nos a fazer com que a mesma Igreja
torne a respirar plenamente «com os seus dois pulmões»: o Oriente e o
Ocidente. Como já afirmei, por mais de uma vez, isso é necessário mais
do que nunca, nos dias de hoje. Seria um valioso auxílio para fazer
progredir o diálogo em vias de actuação entre a Igreja católica e as
Igrejas e as Comunidades eclesiais do Ocidente. (86) E seria também a
via para a Igreja que está a caminho poder cantar e viver de modo mais
perfeito o seu «Magnificat».
3.
O «Magnificat» da Igreja que está a caminho
35.
Na fase actual da sua caminhada, a Igreja procura, pois, reencontrar a
união de todos os que professam a própria fé em Cristo, para manifestar
a obediência ao seu Senhor que orou por esta unidade, antes do seu
iminente sacrifício. Ela vai avançando na «sua peregrinação... e
anunciando a paixão e a morte do Senhor até que ele venha». (87)
«Prosseguindo entre as tentações e tribulações da caminhada, a Igreja
é apoiada pela força da graça de Deus, que lhe foi prometida pelo Senhor,
para que não se afaste da perfeita fidelidade por causa da fraqueza
humana, mas permaneça digna esposa do seu Senhor e, com o auxílio do
Espírito Santo, não cesse de se renovar a si própria até que, pela Cruz,
chegue á luz que não conhece ocaso». (88)
A
Virgem Maria está constantemente presente nesta caminhada de fé do Povo
de Deus em direcção à luz. Demonstra-o de modo especial o cântico do
«Magnificat», que, tendo jorrado da profundidade da fé de Maria na
Visitação, não cessa de vibrar no coração da Igreja ao longo dos
séculos. Prova-o a sua recitação quotidiana na liturgia das Vésperas e
em muitos outros momentos de devoção, quer pessoal, quer comunitária.
«A
minha alma glorifica o Senhor,
e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador,
porque olhou para a humildade da sua serva.
De hoje em diante todas as gerações
hão-de me chamar bem-aventurada.
Porque fez em mim grandes coisas o Todo-poderoso. E santo é o seu
nome:
a sua misericórdia estende-se de geração em geração sobre aqueles que o
temem.
Manifestou o poder do seu braço
e dispersou os soberbos com os desígnios
que eles conceberam;
derrubou os poderosos de seus tronos
e exaltou os humildes
encheu de bens os famintos
e aos ricos despediu-os de mãos vazias.
Socorreu Israel, seu servo,
recordando-se da sua misericórdia,
como tinha prometido aos nossos pais,
a Abraão e à sua descendência para sempre»
(Lc 1, 46-55).
36.
Quando Isabel saudou a jovem parente, que acabava de chegar de Nazaré,
Maria respondeu com o Magnificat. Na sua saudação, Isabel tinha
chamado a Maria: primeiro, «bendita» por causa do «fruto do seu ventre»;
e depois, «feliz» (bem-aventurada) por causa da sua fé (cf. Lc 1,
42. 45 ). Estas duas palavras abençoantes referiam-se directamente ao
momento da Anunciação. Agora, na Visitação, quando Isabel, na sua
saudação, dá um testemunho daquele momento culminante, a fé de Maria
enriquece-se de uma nova consciência e de uma nova expressão. Aquilo que
no momento da Anunciação permanecia escondido na profundidade da
«obediência da fé» dir-se-ia que agora daí irrompe, como uma chama clara
e vivificante do espírito. As palavras usadas por Maria, no limiar da
casa de Isabel, constituem uma profissão inspirada desta sua fé,
na qual se exprime a resposta à palavra da revelação, com a
elevação religiosa e poética de todo o seu ser no sentido de Deus.
Nessas palavras sublimes, que são ao mesmo tempo muito simples e
totalmente inspiradas nos textos sagrados do povo de Israel, (89)
transparece a experiência pessoal de Maria, o êxtase do seu coração.
Resplandece nelas um clarão do mistério de Deus, a glória da sua
inefável santidade, o amor eterno que, como um dom irrevogável, entra
na história do homem.
Maria
é a primeira a participar nesta nova revelação de Deus e, mediante ela,
nesta nova «autodoação» de Deus. Por isso proclama: «Grandes coisas fez
em mim ... e santo é o seu nome». As suas palavras reflectem a alegria
do espírito, difícil de exprimir: «O meu espírito exulta em Deus, meu
Salvador». Porque «a verdade profunda, tanto a respeito de Deus como a
respeito da salvação dos homens, manifesta-se-nos... em Cristo, que é,
simultaneamente, o mediador e a plenitude de toda a revelação». (90) No
arroubo do seu coração, Maria confessa ter-se encontrado no próprio
âmago desta plenitude de Cristo. Está consciente de que em si está a
cumprir-se a promessa feita aos pais e, em primeiro lugar, em favor de
«Abraão e da sua descendência para sempre»: que em si, portanto, como
mãe de Cristo, converge toda a economia salvífica, na qual «de
geração em geração» se manifesta Aquele que, como Deus da Aliança, «se
recorda da sua misericórdia».
37. A
Igreja, que desde o início modela a sua caminhada terrena pela caminhada
da Mãe de Deus, repete constantemente, em continuidade com ela, as
palavras do Magnificat. Nas profundidades da fé da Virgem Maria
na Anunciação e na Visitação, a Igreja vai haurir a verdade acerca do
Deus da Aliança; acerca de Deus que é Todo-poderoso e faz «grandes
coisas» no homem: «santo é o seu nome». No Magnificat, ela vê
debelado nas suas raízes o pecado do princípio da história terrena do
homem e da mulher: o pecado da incredulidade e da «pouca fé» em Deus.
Contra a «suspeita» que o «pai da mentira» fez nascer no coração de Eva,
a primeira mulher, Maria, a quem a tradição costuma chamar «nova Eva»
(91) e verdadeira «mãe dos vivos», (92) proclama com vigor a não
ofuscada verdade acerca de Deus: o Deus santo e omnipotente, que
desde o princípio é a fonte de todas as dádivas, aquele que «fez
grandes coisas» nela, Maria, assim como em todo o universo. Deus, ao
criar, dá a existência a todas as realidades; e ao criar o homem, dá-lhe
a dignidade da imagem e da semelhança consigo, de modo singular em
relação a todas as demais criaturas terrestres. E não se detendo na sua
vontade de doação, não obstante o pecado do homem, Deus dá-se no
Filho: «Amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito» (Jo
3, 16) Maria é a primeira testemunha desta verdade maravilhosa, que se
actuará plenamente mediante «as obras e os ensinamentos» (cf. Act
1, 1) do seu Filho e, definitivamente, mediante a sua Cruz e
Ressurreição.
A
Igreja, que, embora entre «tentações e tribulações», não cessa de
repetir com Maria as palavras do Magnificat, «escora-se» na força
da verdade sobre Deus, proclamada então com tão extraordinária
simplicidade; e, ao mesmo tempo, deseja iluminar com esta mesma
verdade acerca de Deus os difíceis e por vezes intrincados caminhos
da existência terrena dos homens. A caminhada da Igreja, portanto, já
quase no final do Segundo Milénio cristão, implica um empenhamento
renovado na própria missão. Segundo Aquele que disse de si: «(Deus)
mandou-me a anunciar aos pobres a boa nova» (cf. Lc 4,
18), a Igreja tem procurado, de geração em geração, e procura ainda hoje
cumprir esta mesma missão.
O seu
amor preferencial pelos pobres acha-se admiravelmente inscrito no
Magnificat de Maria. O Deus da Aliança, cantado pela Virgem de
Nazaré, com exultação do seu espírito, é ao mesmo tempo aquele que
«derruba os poderosos dos tronos e exalta os humildes... enche de bens
os famintos e despede os ricos de mãos vazias ... dispersa os
soberbos... e conserva a sua misericórdia para com aqueles que o temem».
Maria
está profundamente impregnada do espírito dos «pobres de Javé» que,
segundo a oração dos Salmos, esperavam de Deus a própria salvação, pondo
nele toda a sua confiança (Sl 25; 31; 35; e 55). Ela, na verdade,
proclama o advento do mistério da salvação, a vinda do «Messias dos
pobres» (cf. Is 11, 4; 61, 1). Haurindo certeza do coração de
Maria, da profundidade da sua fé, expressa nas palavras do Magnificat,
a Igreja renova em si, sempre para melhor, essa própria certeza de que
não se pode separar a verdade a respeito de Deus que salva, de
Deus que é fonte de toda a dádiva, da manifestação do seu amor
preferencial pelos pobres e pelos humildes, amor que, depois de
cantado no Magnificat, se encontra expresso nas palavras e nas
obras de Jesus.
A
Igreja, portanto, está bem cônscia - e na nossa época esta sua certeza
reforça-se de modo particular - não só de que não podem ser separados
estes dois elementos da mensagem contida no Magnificat, mas
também de que deve outrossim ser salvaguardada cuidadosamente a
importância que têm os «pobres» e a «opção em favor dos pobres» na
palavra de Deus vivo. Trata-se de temas e problemas organicamente
conexos com o sentido cristão da liberdade e da libertação.
Maria, «totalmente dependente de Deus e toda ela orientada para Ele, ao
lado do seu Filho, é a ícone mais perfeita da liberdade e da
libertação da humanidade e do cosmos. É para Maria que a Igreja, da
qual ela é Mãe e modelo, deve olhar, a fim de compreender na sua
integralidade o sentido da própria missão». (93)
TERCEIRA PARTE
MEDIAÇÃO MATERNA
1.
Maria, Serva do Senhor
38. A
Igreja sabe e ensina, com São Paulo, que um só é o nosso mediador:
«Não há senão um só Deus e um só é também o mediador entre Deus e os
homens, o homem Cristo Jesus, que se entregou a si mesmo como resgate
por todos» (1 Tim 2, 5-6). «A função maternal de Maria para com
os homens de modo nenhum obscurece ou diminui esta única mediação de
Cristo; mas até manifesta qual a sua eficácia» (94) é uma mediação em
Cristo.
A
Igreja sabe e ensina que «todo o influxo salutar da Santíssima Virgem
em favor dos homens se deve ao beneplácito divino e ... dimana da
superabundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua mediação,
dela depende absolutamente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo que
não impede o contacto imediato dos fiéis com Cristo, antes o facilita».
(95) Este influxo salutar é apoiado pelo Espírito Santo, que, assim como
estendeu a sua sombra sobre a Virgem Maria, dando na sua pessoa início à
maternidade divina, assim também continuamente sustenta a sua solicitude
para com os irmãos do seu Filho.
Efectivamente, a mediação de Maria está intimamente ligada à sua
maternidade e possui um carácter especificamente maternal, que a
distingue da mediação das outras criaturas que, de diferentes modos e
sempre subordinados, participam na única mediação de Cristo; também a
mediação de Maria permanece subordinada. (96) Se, na realidade, «nenhuma
criatura pode jamais colocar-se no mesmo plano que o Verbo Incarnado e
Redentor», também é verdade que «a mediação única do Redentor não
exclui, antes suscita nas criaturas uma cooperação multiforme,
participada duma única fonte»; e assim, «a bondade de Deus, única,
difunde-se realmente, de diferentes modos, nas criaturas». (97)
O
ensino do Concílio Vaticano II apresenta a verdade da mediação de Maria
como «participação nesta única fonte, que é a mediação do próprio
Cristo». Com efeito, lemos: «A Igreja não hesita em reconhecer
abertamente essa função assim, subordinada; sente-a continuamente e
recomenda-a ao amor dos fiéis, para que, apoiados nesta ajuda materna,
eles estejam mais intimamente unidos ao Mediador e Salvador». (98) Tal
função é, ao mesmo tempo, especial e extraordinária. Ela promana
da sua maternidade divina e pode ser comprendida e vivida na fé somente
se nos basearmos na plena verdade desta maternidade. Sendo Maria, em
virtude da eleição divina, a Mãe do Filho consubstancial ao Pai e
«cooperadora generosa» na obra da Redenção, ela tornou-se para nós «mãe
na ordem da graça». (99) Esta função constitui uma dimensão real da sua
presença no mistério salvífico de Cristo e da Igreja.
39.
Sob este ponto de vista, temos necessidade de voltar, mais uma vez, à
consideração do acontecimento fundamental na economia da salvação, ou
seja, a Incarnação do Verbo de Deus, no momento da Anunciação. É
significativo que Maria, reconhecendo nas palavras do mensageiro divino
a vontade do Altíssimo e submetendo-se ao seu poder, diga: «Eis a
serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,
38). O primeiro momento da submissão à única mediação «entre Deus e os
homens» - a mediação de Jesus Cristo - é a aceitação da maternidade por
parte da Virgem de Nazaré. Maria consente na escolha divina para se
tornar, por obra do Espírito Santo, a Mãe do Filho de Deus. Pode
dizer-se que este consentimento que ela dá à maternidade é fruto
sobretudo da doção total a Deus na virgindade. Maria aceitou a
eleição para ser mãe do Filho de Deus, guiada pelo amor esponsal, o amor
que «consagra» totalmente a Deus uma pessoa humana. Em virtude desse
amor, Maria desejava estar sempre e em tudo «doada a Deus», vivendo na
virgindade. As palavras: «Eis a serva do Senhor!» comprovam o facto de
ela desde o princípio ter aceitado e entendido a própria maternidade
como dom total de si, da sua pessoa, ao serviço dos desígnios
salvíficos do Altíssimo. E toda a participação materna na vida de Jesus
Cristo, seu Filho, ela viveu-a até ao fim de um modo correspondente à
sua vocação para a virgindade.
A
maternidade de Maria, profundamente impregnada da atitude esponsal de
«serva do Senhor», constitui a dimensão primária e fundamental daquela
sua mediação que a Igreja Ihe reconhece, proclama (100) e continuamente
«recomenda ao amor dos fiéis» porque confia muito nela. Com efeito,
importa reconhecer que, primeiro do que quaisquer outros, o próprio
Deus, o Pai eterno, se confiou à Virgem de Nazaré, dando-lhe o
próprio Filho no mistério da Incarnação. Esta sua eleição para a sublime
tarefa e suprema dignidade de Mãe do Filho de Deus, no plano ontológico,
tem relação com a própria realidade da união das duas naturezas na
Pessoa do Verbo (união hipostática). Este facto fundamental de
ser Mãe do Filho de Deus, é desde o princípio uma abertura total à
pessoa de Cristo, a toda a sua obra e a toda a sua missão. As palavras:
«Eis a serva do Senhor!» testemunham esta abertura de espírito em Maria,
que une em si, de maneira perfeita, o amor próprio da virgindade e o
amor característico da maternidade, conjuntos e como que fundidos num só
amor.
Por
isso, Maria tornou-se não só a «mãe-nutriz» do Filho do homem, mas
também a «cooperadora generosa, de modo absolutamente singular», (101)
do Messias e Redentor. Ela — como já foi dito — avançava na
peregrinação da fé e, nessa sua peregrinação até aos pés da Cruz,
foi-se realizando, ao mesmo tempo, com as suas acções e os seus
sofrimentos, a sua cooperação materna e esponsal em toda a missão
do Salvador. Ao longo do caminho de tal colaboração com a obra do
Filho-Redentor, a própria maternidade de Maria veio a conhecer uma
transformação singular, sendo cada vez mais cumulada de «caridade
ardente» para com todos aqueles a quem se destinava a missão de Cristo.
Mediante essa «caridade ardente», visando cooperar, em união com Cristo,
na restauração «da vida sobrenatural nas almas», (102) Maria entrava
de modo absolutamente pessoal na única mediação «entre Deus e os
homens», que é a mediação do homem Cristo Jesus. Se ela mesma foi
quem primeiro experimentou em si os efeitos sobrenaturais desta mediação
única - já aquando da Anunciação ela tinha sido saudada como «cheia de
graça» - então tem de se dizer que, em virtude desta plenitude da graça
e de vida sobrenatural, ela estava particularmente predisposta para a
«cooperação» com Cristo, único mediador da salvação humana. E tal
cooperação é precisamente esta mediação subordinada à mediação de
Cristo.
No
caso de Maria trata-se de uma mediação especial e excepcional, fundada
na sua «plenitude de graça», que se traduzia na total disponibilidade da
«serva do Senhor». Em correspondência com essa disponibilidade interior
da sua Mãe, Jesus Cristo preparava-a cada vez mais para ela se
tornar para os homens «mãe na ordem da graça». Isto acha-se indicado,
pelo menos de maneira indirecta, em certos pormenores registados pelos
Sinópticos (cf. Lc 11, 28; 8, 20-21; Mc 3, 32-35; Mt
12, 47-50) e, mais ainda, pelo Evangelho de São João (cf. 2, 1-12; 19,
25-27), como já procurei pôr em evidência. A este propósito, são
particularmente eloquentes as palavras pronunciadas por Jesus do alto da
Cruz, referindo-se a Maria e a João.
40.
Depois dos acontecimentos da Ressurreição e da Ascensão, Maria, entrando
com os Apóstolos no Cenáculo enquanto esperavam o Pentecostes, estava aí
presente como Mãe do Senhor glorificado. Era não só aquela que «avançou
na peregrinação da fé» e conservou fielmente a sua união com o Filho
«até à Cruz», mas também a «serva do Senhor» deixada por seu Filho
como mãe no seio da Igreja nascente: «Eis a tua mãe». Assim começou
a estabelecer-se um vínculo especial entre esta Mãe e a Igreja. Com
efeito, a Igreja nascente era fruto da Cruz e da Ressurreição do seu
Filho. Maria, que desde o princípio se tinha entregado sem reservas à
pessoa e à obra do Filho, não podia deixar de derramar sobre a Igreja,
desde os inícios, esta sua doação materna. Depois da «partida» do Filho
a sua maternidade permanece na Igreja, como mediação materna:
intercedendo por todos os seus filhos, a Mãe coopera na obra salvífica
do Filho-Redentor do mundo. De facto, o Concílio ensina: «a maternidade
de Maria na economia da graça perdura sem interrupção... até à
consumação perpétua de todos os eleitos». (103) Com a morte redentora do
seu Filho, a mediação materna da serva do Senhor revestiu-se de uma
dimensão universal, porque a obra da Redenção abrange todos os homens.
Assim se manifesta, de modo singular, a eficácia da única e universal
mediação de Cristo «entre Deus e os homens». A cooperação de Maria
participa, com o seu carácter subordinado, na universalidade da
mediação do Redentor, único Mediador. Isto é claramente indicado
pelo Concílio com as palavras acima citadas.
De
facto — lemos ainda — depois de elevada ao céu, Maria não abandonou este
papel de salvação, mas com a sua múltipla intercessão, continua a
alcançar-nos os dons da salvação eterna».(104) Com este carácter de a
intercessão», que se manifestou pela primeira vez em Caná da Galileia, a
mediação de Maria continua na história da Igreja e do mundo. Lemos que
Maria, «com a sua caridade materna, cuida dos irmãos de seu Filho, que
ainda peregrinam e se debatem entre perigos e angústias, até que sejam
conduzidos à pátria bem-aventurada». (105) Deste modo, a maternidade de
Maria perdura incessantemente na Igreja, como mediação que intercede; e
a Igreja exprime a sua fé nesta verdade invocando-a sob os títulos de
Advogada, Auxiliadora, (Perpétuo) Socorro e Medianeira. (106)
41.
Pela sua mediação, subordinada à mediação do Redentor, Maria contribui
de maneira especial para a união da Igreja peregrina na terra com
a realidade escatológica e celeste da comunhão dos santos, tendo
já sido «elevada ao Céu». (107) A verdade da Assunção, definida por Pio
XII, é reafirmada pelo Vaticano II, que exprime a fé da Igreja nestes
termos: «Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada imune de toda a
mancha da culpa original, terminado o curso da sua vida terrena, foi
assumida à glória celeste em corpo e alma e exaltada pelo Senhor
como Rainha do universo, para que se conformasse mais plenamente com
o seu Filho, Senhor dos senhores (cf. Apoc 19, 16) e vencedor do
pecado e da morte», (108) Com esta doutrina, Pio XII situava-se na
continuidade da Tradição, que ao longo da história da Igreja teve
expressões múltiplas, tanto no Oriente como no Ocidente.
Com o
mistério da Assunção ao Céu, actuaram-se em Maria definitivamente todos
os efeitos da única mediação de Cristo, Redentor do mundo e Senhor
ressuscitado: «Todos receberão a vida em Cristo. Cada um, porém, na
sua ordem: primeiro Cristo, que é a primícia; depois, à sua vinda,
aqueles que pertencem a Cristo» (1 Cor 15, 22-23). No mistério da
Assunção exprime-se a fé da Igreja, segundo a qual Maria está «unida por
um vínculo estreito e indissolúvel a Cristo», pois, se já como
mãe-virgem estava a Ele unida singulamente na sua primeira vinda,
pela sua contínua cooperação com Ele o estará também na expectativa da
segunda: «Remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu
Filho», (109) ela tem também aquele papel, próprio da Mãe, de medianeira
de clemência, na vinda definitiva, quando todos os que são de
Cristo forem vivificados e quando «o último inimigo a ser destruído será
a morte» (1 Cor 15, 26). (110)
Com
tal exaltação da «excelsa Filha de Sião» (111) mediante a Assunção ao
Céu, está conexo o mistério da sua glória eterna. A Mãe de Cristo,
efectivamente, foi glorificada como «Rainha do universo». (112) Ela, que
na altura da Anunciação se definiu «serva do Senhor», permaneceu fiel ao
que este nome exprime durante toda a vida terrena, confirmando desse
modo ser uma verdadeira «discípula» de Cristo, que teve ocasião de
acentuar fortemente o carácter de serviço da sua missão: o Filho do
homem «não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como
resgate de muitos» (Mt 20, 28). Por isso, Maria tornou-se a
primeira entre aqueles que, «servindo a Cristo também nos outros,
conduzem os seus irmãos, com humildade e paciência, àquele Rei, servir
ao qual é reinar»; (113) e alcançou plenamente aquele «estado de
liberdade real» que é proprio dos discípulos de Cristo: servir quer
dizer reinar!
«Cristo, tendo-se feito obediente até à morte, foi por isso mesmo
exaltado pelo Pai (cf. Flp 2, 8-9) e entrou na glória do seu
Reino; a ele estão submetidas todas as coisas, até que ele se sujeite a
si mesmo e consigo todas as criaturas ao Pai, a fim de que Deus seja
tudo em todos (cf. 1 Cor 15, 27-28)». (114) Maria, serva do
Senhor, tem parte neste Reino do Filho. (115) A glória de servir
não cessa de ser a sua exaltação real: elevada ao céu, não suspende
aquele seu serviço salvífico em que se exprime a mediação materna, «até
à consumação perpétua de todos os eleitos». (116) Assim, aquela que,
aqui na terra, «conservou fielmente a sua união com o Filho até à Cruz»,
permanece ainda unida a ele, uma vez que «tudo lhe está submetido,
até que ele sujeite ao Pai a sua pessoa e todas as criaturas». Mais,
com a sua Assunção ao Céu, Maria está como que envolvida por toda a
realidade da comunhão dos santos; e a sua própria união com o Filho na
glória está toda propendente para a plenitude definitiva do Reino,
quando a Deus for tudo em todos».
Também nesta fase a mediação materna de Maria não deixa de estar
subordinada àquele que é o único Mediador, até à definitiva actuação
«da plenitude dos tempos»: «a de em Cristo recapitular todas as
coisas» (Ef 1, 10).
2.
Maria na vida da Igreja e de cada cristão
42. O
Concílio Vaticano II, situando-se na linha da Tradição, projectou uma
nova luz sobre o papel da Mãe de Cristo na vida da Igreja. «A
bem-aventurada Virgem Maria ... pelo dom da maternidade divina, que a
une com o seu Filho Redentor, e ainda pelas suas graças e funções
singulares, encontra-se também intimamente unida à Igreja: a Mãe de
Deus é a figura da Igreja... e isso, na ordem da fé, da caridade e
da perfeita união com Cristo». (117) Já vimos anteriormente que Maria
permanece desde o princípio com os Apóstolos, enquanto esperam o
Pentecostes, e que, sendo a «feliz porque acreditou», de geração em
geração ela está presente no meio da Igreja que faz a sua peregrinação
na fé, sendo para ela igualmente modelo da esperança que não decepciona
(cf. Rom 5, 5).
Maria
acreditou que se cumpririam aquelas coisas que lhe tinham sido ditas da
parte do Senhor. Como Virgem, acreditou que conceberia e daria à luz um
filho: o «Santo», ao qual corresponde o nome de «Filho de Deus», o nome
de «Jesus» (= Deus que salva). Como serva do Senhor, permaneceu
perfeitamente fiel à pessoa e à missão deste seu Filho. Como Mãe, «pela
sua fé e obediência... gerou na terra o próprio Filho de Deus,
sem ter conhecido homem, mas por obra e graça do Espírito Santo». (118)
Por
estes motivos «Maria ... é com razão honrada pela Igreja com culto
especial; ... já desde os tempos mais antigos, a Santíssima Virgem é
venerada com o título de «Mãe de Deus» e sob a sua protecção se acolhem
os fiéis, que a imploram em todos os perigos e necessidades», (119) Este
culto é absolutamente singular: contém em si e exprime aquele vínculo
profundo que existe entre a Mãe de Cristo e a Igreja. (120) Como
virgem e mãe, Maria permanece um «modelo perene» para a Igreja. Pode,
portanto, dizer-se que sobretudo sob este aspecto, isto é, como modelo
ou, melhor, como «figura», Maria, presente no mistério de Cristo,
permanece também constantemente presente no mistério da Igreja. Com
efeito, também a Igreja «é chamada mãe e virgem»; e estes nomes têm
profunda justificação bíblica e teológica. (121)
43. A
Igreja «torna-se mãe ... pela fiel recepção da palavra de Deus»
(122) Como Maria, que foi a primeira a acreditar, acolhendo a palavra de
Deus que lhe foi revelada na Anunciação e a ela permanecendo fiel em
todas as provações até à Cruz, assim também a Igreja se torna mãe
quando, acolhendo com fidelidade a palavra de Deus, pela pregação
e pelo baptismo, gera para uma vida nova e imortal os filhos,
concebidos por obra do Espírito Santo e nascidos de Deus». (123)
Esta característica «materna» da Igreja foi expressa dum modo
particularmente vívido pelo Apóstolo das Gentes, quando escreveu: «Meus
filhinhos, por quem sofro novamente as dores de parto, até que Cristo
não se tenha formado em vós»! (Gál 4, 19). Nestas palavras de São
Paulo está contida uma indicação interessante: da consciência que tinha
a Igreja primitiva da função maternal, que andava ligada ao seu serviço
apostólico entre os homens. Tal consciência permitia e constantemente
permite à Igreja encarar o mistério da sua vida e da sua missão à luz
do exemplo da Genetriz do Filho de Deus, que é «o primogénito entre
muitos irmãos» (Rom 8, 29).
A
Igreja, em certo sentido, apreende de Maria também o que é a própria
maternidade: ela reconhece esta dimensão maternal da própria vocação,
como algo ligado essencialmente à sua natureza sacramental,
«contemplando a sua santidade misteriosa, imitando a sua caridade e
cumprindo fielmente a vontade do Pai». (124) O facto de a Igreja ser
sinal e instrumento da íntima união com Deus tem a sua base na
maternidade que lhe é própria: porque, vivificada pelo Espírito Santo,
«gera» filhos e filhas da família humana para uma vida nova em Cristo.
Com efeito, assim como Maria está ao serviço do mistério da
Incarnação, também a Igreja permanece ao serviço do
mistério da adopção como filhos mediante a graça.
Ao
mesmo tempo, a exemplo de Maria, a Igreja permanece a virgem fiel ao
próprio Esposo: «Também ela é virgem, que guarda íntegra e pura a fé
jurada ao Esposo», (125) A Igreja, de facto, é a esposa de Cristo, como
resulta das Cartas paulinas (cf. Ef 5, 21-33; 2 Cor
11, 2) e da maneira como São João a designa: «a Esposa do Cordeiro» (Apoc
21, 9). Se a Igreja como esposa «guarda a fé jurada a
Cristo», esta fidelidade, embora no ensino do Apóstolo se tenha tornado
imagem do matrimónio (cf. Ef 5, 23-33), possui também o valor de
ser o tipo da total doação a Deus no celibato «por amor do Reino dos
céus», ou seja, da virgindade consagrada a Deus (cf. Mt
19, 11-12; 2 Cor 11, 2). Esta virgindade precisamente, a exemplo
da Virgem de Nazaré, é fonte de uma especial fecundidade espiritual:
é fonte da maternidade no Espírito Santo.
Mas
a Igreja guarda também a fé recebida de Cristo: a exemplo
de Maria, que guardava e meditava no seu coração (cf. Luc 2, 19.
51) tudo o que dizia respeito ao seu divino Filho, ela está empenhada em
guardar a Palavra de Deus, apurando as suas riquezas com discernimento e
prudência, para dar sempre da mesma, ao longo dos tempos, testemunho
fiel a todos os homens. (126)
44.
Existindo esta relação de exemplaridade, a Igreja descobre-se em Maria e
procura tornar-se semelhante a ela: «A imitação da Mãe do seu Senhor e
por virtude do Espírito Santo, conserva virginalmente íntegra a fé,
sólida a esperança e sincera a caridade» (127) Maria está presente,
portanto, no mistério da Igreja como modelo. Mas o mistério da
Igreja consiste também em gerar os homens para uma vida nova e imortal:
é a sua maternidade no Espírito Santo. E nisto, Maria não é só modelo e
figura da Igreja; mas é muito mais do que isso. Com efeito, «ela
coopera com amor de mãe para a regeneração e formação» dos filhos e
filhas da mãe Igreja. A maternidade da Igreja realiza-se não só segundo
o modelo e a figura da Mãe de Deus, mas também com a sua «cooperação». A
Igreja vai haurir copiosamente nesta cooperação de Maria, isto é, na
mediação materna que é característica de Maria, no sentido de que já na
terra ela cooperou na regeneração e formação dos filhos e das filhas da
Igreja, sempre como Mãe daquele Filho» que Deus constituiu o primogénito
entre muitos irmãos». (128)
Para
isto «cooperou - como ensina o Concílio Vaticano II - com amor de mãe.
(129) Descobre-se aqui o valor real das palavras de Jesus, na hora da
Cruz, à sua Mãe: «Mulher, eis o teu filho», e ao discípulo: «Eis a tua
mãe» (Jo 19, 26-27). São palavras que determinam o lugar de
Maria na vida dos discípulos de Cristo e exprimem — como já disse —
a sua nova maternidade como Mãe do Redentor: a maternidade espiritual,
que nasceu do mais íntimo do mistério pascal do Redentor do mundo.
Trata-se de uma maternidade na ordem da graça, porque invoca o dom do
Espírito Santo que suscita os novos filhos de Deus, remidos pelo
sacrifício de Cristo: daquele mesmo Espírito que, conjuntamente com a
Igreja, também Maria recebeu no dia do Pentecostes.
Esta
sua maternidade é particularmente advertida e vivida pelo povo cristão
no Banquete sagrado - celebração litúrgica do mistério da
Redenção - no qual se torna presente Cristo, no seu verdadeiro Corpo
nascido da Virgem Maria.
Com
boa razão, pois, a piedade do povo cristão vislumbrou sempre uma
ligação profunda entre a devoção à Virgem Santíssima e o culto da
Eucaristia: pode comprovar-se este facto, na liturgia, tanto ocidental
como oriental, na tradição das Famílias religiosas, na espiritualidade
dos movimentos contemporâneos, mesmo dos movimentos juvenis, e na
pastoral dos santuários marianos. Maria conduz os fiéis à Eucaristia.
45. É
algo essencial à maternidade o facto de ela envolver a pessoa. Ela
determina sempre uma relação única e irrepetível entre duas
pessoas: da mãe com o filho e do filho com a mãe. Mesmo quando
uma só «mulher» é mãe de muitos filhos, a sua relação pessoal com cada
um deles caracteriza a maternidade na sua própria essência. Cada um dos
filhos, de facto, é gerado de modo único e irrepetível; e isto é válido
tanto para a mãe como para o filho. Cada um dos filhos é circundado, de
modo único e irrepetível, daquele amor materno em que se baseia a sua
formação e maturação em humanidade.
Pode
dizer-se que «a maternidade na ordem da graça» tem analogia com o que
«na ordem da natureza» caracteriza a união da mãe com o filho. A luz
disto, torna-se mais compreensível o motivo pelo qual, no testamento de
Cristo no Gólgota, esta maternidade de sua Mãe é por Ele expressa no
singular, em relação a um só homem: «Eis o teu filho».
Pode
dizer-se, ainda, que nestas mesmas palavras está plenamente indicado o
motivo da dimensão mariana da vida dos discípulos de Cristo: não
só de São João, que naquela hora estava aos pés da Cruz, juntamente com
a Mãe do seu Mestre, mas também de todos os demais discípulos de Cristo
e de todos os cristãos. O Redentor confia sua Mãe ao discípulo e, ao
mesmo tempo, dá-lha como mãe. A maternidade de Maria que se torna
herança do homem é um dom: um dom que o próprio Cristo faz a cada
homem pessoalmente. O Redentor confia Maria a João, na medida em que
confia João a Maria. Aos pés da Cruz teve o seu início aquela especial
entrega do homem à Mãe de Cristo, que ao longo da história da
Igreja foi posta em prática e expressa de diversas maneiras. Quando o
mesmo Apóstolo e Evangelista, depois de ter referido as palavras
dirigidas por Jesus do alto da Cruz à Mãe e a si próprio, acrescenta:
«E, a partir daquele momento, o discípulo levou-a para sua casa» (Jo
19, 27), esta afirmação quer dizer, certamente, que ao discípulo foi
atribuído um papel de filho e que ele tomou ao seu cuidado a Mãe do
Mestre que amava. E uma vez que Maria lhe foi dada pessoalmente a ele
como mãe, a afirmação indica, embora indirectamente, tudo o que exprime
a relação íntima de um filho com a mãe. E tudo isto pode encerrar-se na
palavra «entrega». A entrega é a resposta ao amor duma pessoa e,
em particular, ao amor da mãe.
A
dimensão mariana da vida de um discípulo de Cristo exprime-se, de modo
especial, precisamente mediante essa entrega filial em relação à Mãe de
Cristo, iniciada com o testamento do Redentor no alto do Gólgota.
Confiando-se filialmente a Maria, o cristão, como o Apóstolo São João,
acolhe «entre as suas coisas próprias» (130) a Mãe de Cristo e
introdu-la em todo o espaço da própria vida interior, isto é, no seu
«eu» humano e cristão: «levou-a para sua casa». Assim procura
entrar no âmbito de irradiação em que se actua aquela «caridade
materna», com que a Mãe do Redentor «cuida dos irmãos do seu Filho»,
(131) para cuja regeneração e formação ela coopera», (132) segundo a
medida do dom própria de cada um, pelo poder do Espírito de Cristo.
Assim se vai actuando também aquela maternidade segundo o Espírito, que
se tornou função de Maria aos pés da Cruz e no Cenáculo.
46.
Esta relação filial, este entregar-se de um filho à Mãe, não só tem o
seu início em Cristo, mas pode dizer-se que está definitivamente
orientado para ele. Pode dizer-se, ainda, que Maria continua a
repetir a todos as mesmas palavras, que disse outrora em Caná da
Galileia: «Fazei o que ele vos disser». Com efeito, é ele, Cristo, o
único Mediador entre Deus e os homens; é ele «o caminho, a verdade e a
vida» (Jo 14, 6); e é aquele que o Pai doou ao mundo, para que o
homem «não pereça mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16). A Virgem
de Nazaré tornou-se a primeira «testemunha» deste amor salvífico do Pai
e deseja também permanecer a sua humilde serva sempre e em
toda a parte. Em relação a todos e cada um dos cristãos e a cada um
dos homens, Maria é a primeira na fé: é «aquela que acreditou»; e,
precisamente com esta sua fé de esposa e de mãe, ela quer actuar em
favor de todos os que a ela se entregam como filhos. E é sabido que
quanto mais estes filhos perseveram na atitude de entrega e mais
progridem nela, tanto mais Maria os aproxima das «insondáveis riquezas
de Cristo» (Ef 3, 8). E, de modo análogo, também eles reconhecem
cada vez mais em toda a sua plenitude a dignidade do homem e o sentido
definitivo da sua vocação, porque «Cristo ... revela também plenamente o
homem ao homem». (133)
Esta
dimensão mariana da vida cristã assume um relevo particular no que
respeita à mulher e à condição feminina. Com efeito, a
feminilidade encontra-se numa relação singular com a Mãe do Redentor,
assunto que poderá ser aprofundado num outro contexto. Aqui desejaria
somente salientar que a figura de Maria de Nazaré projecta luz sobre a
mulher enquanto tal, pelo facto exactamente de Deus, no sublime
acontecimento da Incarnação do Filho, se ter confiado aos bons
préstimos, livres e activos da mulher. Pode, portanto, afirmar-se que a
mulher, olhando para Maria, nela encontrará o segredo para viver
dignamente a sua feminilidade e levar a efeito a sua verdadeira
promoção. A luz de Maria, a Igreja lê no rosto da mulher os reflexos de
uma beleza, que é espelho dos mais elevados sentimentos que o coração
humano pode albergar: a totalidade do dom de si por amor; a força que é
capaz de resistir aos grandes sofrimentos; a fidelidade sem limites, a
perosidade incansável e a capacidade de conjugar a intuição penetrante
com a palavra de apoio e encorajamento.
47.
Durante o Concílio, o Papa Paulo VI afirmou solenemente que Maria é
Mãe da Igreja, «isto é, Mãe de todo o povo cristão, tanto dos fiéis
como dos Pastores». (134) Mais tarde, em 1968, na Profissão de Fé
conhecida com o nome de «Credo do Povo de Deus», repetiu essa afirmação
de forma ainda mais compromissiva, usando as palavras: «Nós acreditamos
que a Santíssima Mãe de Deus, nova Eva, Mãe da Igreja, continua no Céu a
sua função maternal em relação aos membros de Cristo, cooperando no
nascimento e desenvolvimento da vida divina nas almas dos remidos».
(135)
O
magistério do Concílio acentuou que a verdade sobre a Virgem Santíssima,
Mãe de Cristo, constitui um subsídio eficaz para o aprofundamento da
verdade sobre a Igreja. O mesmo Papa Paulo VI, ao tomar a palavra a
propósito da Constituição Lumen Gentium, que acabava de ser
aprovada pelo Concílio, disse: «O conhecimento da verdadeira
doutrina católica sobre a Bem -aventurada Virgem Maria
constituirá sempre uma chave para a compreensão exacta do mistério de
Cristo e da Igreja», (136) Maria está presente na Igreja como Mãe de
Cristo e, ao mesmo tempo, como a Mãe que o próprio Cristo, no mistério
da Redenção, deu ao homem na pessoa do Apóstolo São João. Por isso,
Maria abraça, com a sua nova maternidade no Espírito, todos e cada um
na Igreja; e abraça também todos e cada um mediante a Igreja.
Neste sentido, Maria, Mãe da Igreja, é também modelo da Igreja. Esta,
efectivamente - como preconiza e solicita o Papa Paulo VI - deve ir
«buscar na Virgem Mãe de Deus a forma mais autêntica da perfeita
imitação de Cristo». (137)
Graças a este vínculo especial, que une a Mãe de Cristo à Igreja,
esclarece-se melhor o mistério daquela «mulher» que, desde os
primeiros capítulos do Livro do Génesis até ao Apocalipse,
acompanha a revelação do desígnio salvífico de Deus em relação à
humanidade. Maria, de facto, presente na Igreja como Mãe do Redentor,
participa maternalmente naquele «duro combate contra os poderes das
trevas ..., que se trava ao longo de toda a história humana», (138) E em
virtude desta sua identificação eclesial com a «mulher vestida de sol» (Apoc
12, 1), (139) pode dizer-se que «a Igreja alcançou já na Virgem
Santíssima aquela perfeição, que faz que ela se apresente sem mancha nem
ruga»; todavia, os cristãos, levantando os olhos com fé para Maria, ao
longo da sua peregrinação na terra «continuam ainda a esforçar-se por
crescer na santidade». (140) Maria, a excelsa filha de Sião, ajuda a
todos os seus filhos - onde quer que vivam e como quer que vivam - a
encontrar em Cristo o caminho para a casa do Pai.
Por
conseguinte, a Igreja mantém, em toda a sua vida, uma ligação com a Mãe
de Deus que abraça, no mistério salvífico, o passado, o presente e o
futuro; e venera-a como Mãe espiritual da humanidade e Advogada na ordem
da graça.
3.
O sentido do Ano Mariano
48. O
vínculo especial da humanidade com esta Mãe foi precisamente o que me
levou a proclamar na Igreja, no período que antecede a conclusão do
Segundo Milénio do nascimento de Cristo, um Ano Mariano. Uma iniciativa
semelhante a esta já se verificou no passado, quando o Papa Pio XII
proclamou o ano de 1954 como Ano Mariano, para dar realce à excepcional
santidade da Mãe de Cristo, expressa nos mistérios da sua Imaculada
Conceição (definida exactamente um século antes) e da sua Assunção ao
Céu. (141)
Seguindo a linha do Concílio Vaticano II, anima-me o desejo de pôr em
relevo a presença especial da Mãe de Deus no mistério de Cristo e
da sua Igreja. Esta é uma dimensão fundamental que dimana da Mariologia
do Concílio, de cujo encerramento já nos separam mais de vinte anos. O
Sínodo extraordinário dos Bispos, que se realizou em 1985, exortou a
todos a seguirem fielmente o magistério e as indicações do Concílio.
Pode dizer-se que em ambos - . no Concílio e no Sínodo - está contido
aquilo que o Espírito Santo deseja «dizer à Igreja» (cf. Apoc 2,
7.17.29; 3, 6.13.22) na fase presente da história.
Neste
contexto, o Ano Mariano deverá promover também uma leitura nova e
aprofundada daquilo que o Concílio disse sobre a Bem-aventurada Virgem
Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja, a que se referem
as considerações contidas na presente Encíclica. Com esta perspectiva,
trata-se não só da doutrina da fé, mas também da vida de fé;
e, portanto, da autêntica «espiritualidade mariana», vista à luz da
Tradição e, especialmente, daquela espiritualidade a que nos exorta o
Concílio. (142) Além disso, a espiritualidade mariana, assim como
a devoção correspondente, tem uma riquíssima fonte na experiência
histórica das pessoas e das diversas comunidades cristãs, que vivem no
seio dos vários povos e nações, sobre toda a face da terra. A este
propósito, é-me grato recordar, dentre as muitas testemunhas e mestres
de tal espiritualidade, a figura de São Luís Maria Grignion de Montfort,
(143) o qual propõe aos cristãos a consagração a Cristo pelas mãos de
Maria, como meio eficaz para viverem fielmente os compromissos
baptismais. E registo ainda aqui, de bom grado, que também nos nossos
dias não faltam novas manifestações desta espiritualidade e devoção.
Há,
portanto, pontos de referência seguros para os quais olhar e aos quais
ater-se, no contexto deste Ano Mariano.
49. A
celebração do mesmo Ano Mariano terá início na Solenidade do
Pentecostes no dia 7 de Junho próximo. Trata-se, efectivamente, não
apenas de recordar que Maria «precedeu» o ingresso de Cristo Senhor na
história da humanidade, mas também de salientar, à luz de Maria, que,
desde que se realizou o mistério da Incarnação, a história da humanidade
entrou «na plenitude dos tempos» e que a Igreja é o sinal desta
plenitude. Como Povo de Deus, a Igreja vai fazendo, mediante a
fé, a peregrinação no sentido da eternidade no meio de todos os povos e
nações, peregrinação que começou no dia do Pentecostes. A Mãe de
Cristo, que esteve presente no princípio do «tempo da Igreja»
quando, durante os dias de espera do Espírito Santo, era assídua na
oração no meio dos Apóstolos e dos discípulos do seu Filho, «precede»
constantemente a Igreja nesta sua caminhada através da
história da humanidade. Ela é também aquela que, precisamente como serva
do Senhor, coopera sem cessar na obra da salvação realizada por Cristo,
seu Filho.
Assim, por meio deste Ano Mariano, a Igreja é chamada não só a
recordar tudo o que no seu passado testemunha a especial cooperação
materna da Mãe de Deus na obra da salvação em Cristo Senhor, mas também
a preparar para o futuro, na parte que lhe toca, os caminhos
desta cooperação salvífica, dado que, com o final do Segundo Milénio
cristão, se abre como que uma nova perspectiva.
50.
Como já tivemos ocasião de recordar, também entre os irmãos desunidos
muitos honram e celebram a Mãe do Senhor, especialmente entre os
Orientais. É uma luz mariana projectada sobre o Ecumenismo. Mas
desejaria aqui recordar ainda, em particular, que durante o Ano Mariano
ocorrerá o Milénio do Baptismo de São Vladimiro, Grão-Príncipe de
Kiev (a. 988), que deu início ao Cristianismo nos territórios da «Rus'»
de então e, em seguida, em todos os territórios da Europa oriental; e
que, por esta via, mediante a obra de evangelização, o Cristianismo se
estendeu também para além da Europa, até aos territórios setentrionais
do Continente asiático. Desejaríamos, portanto, especialmente durante
este Ano, unir-nos na oração com todos aqueles que celebram o Milénio
desse Baptismo, ortodoxos e católicos, renovando e confirmando com o
Concílio, a vivência de sentimentos de alegria e consolação, pelo facto
de que «os Orientais ... acorrem a venerar a Mãe de Deus, sempre Virgem,
com fervor ardente e ânimo devoto». (144) Embora experimentemos ainda os
efeitos dolorosos da separação, que se deu alguns decénios depois (a.
1054), podemos dizer que diante da Mãe de Cristo nos sentimos
verdadeiros irmãos e irmãs no âmbito daquele Povo messiânico chamado
a ser uma única família de Deus sobre a face da terra, como já tive
ocasião de anunciar no passado dia de Ano Novo: «Desejamos reconfirmar
esta herança universal de todos os filhos e filhas desta terra». (145)
Ao
anunciar o Ano de Maria, eu precisava ainda que o seu encerramento será
no ano seguinte, na solenidade da Assuncão de Nossa Senhora ao Céu,
querendo realçar «o sinal grandioso no céu» de que fala o Apocalipse.
Deste modo, queremos também pôr em prática a exortação do Concílio, que
olha para Maria como um «sinal de esperança segura e de consolação para
o Povo de Deus peregrino». E essa exortação foi espressa pelo Concílio
com as seguintes palavras: «Dirijam todos os fiés súplicas instantes à
Mãe de Deus e Mãe dos homens, para que ela, que assistiu com suas
orações aos começos da Igreja, também agora, no Céu, exaltada acima de
todos os bem-aventurados e dos anjos, interceda junto de seu Filho, na
comunhão de todos os santos, até que todas as famílias dos povos, quer
as que ostentam o nome cristão, quer as que ignoram ainda o seu
Salvador, se reúnam felizmente, em paz e concórdia, no único Povo de
Deus, para glória da santíssima e indivisa Trindade». (146)
CONCLUSÃO
51.
Ao terminar a Liturgia das Horas quotidiana, entre outras, eleva-se esta
invocação da Igreja a Maria:
«Ó
Santa Mãe do Redentor, porta do Céu sempre aberta, estrela do mar,
socorrei o vosso povo, que cai e anela por erguer-se. Vós que gerastes,
com grande admiração de todas as criaturas, o vosso santo Genitor»!
«Com
grande admiração de todas as criaturas»! Estas palavras da antífona
exprimem aquela admiração de fé, que acompanha o mistério da
maternidade divina de Maria. E acompanha-o, em certo sentido, no coração
de tudo o que foi criado e, directamente, no coração de todo o Povo de
Deus, no coração da Igreja.
Quão
admiravelmente Deus, Criador e Senhor de todas as coisas, se deixou
levar longe na «revelação de si mesmo» ao homem! (147) Quanto se nos
torna patente que ele traspôs todos os espaços daquela «distancia»
infinita que separa o Criador da criatura! Se Ele, em si mesmo, per
manece inefável e imperscrutável, é ainda mais inefável e
imperscrutável na realidade da sua Incarnação, no facto de «se ter
feito homem», nascendo da Virgem de Nazaré.
Se
Ele quis chamar eternamente o homem para ser «participante da natureza
divina» (cf. 2 Pdr 1, 4), pode dizer-se que predispôs a
«divinização» do homem em função das suas condições históricas, de modo
que, mesmo depois do pecado, está disposto a «resgatar» por elevado
preço o desígnio eterno do seu amor, mediante a «humanização» do Filho,
que lhe é consubstancial. Tudo o que foi criado e, mais directamente, o
homem não pode deixar de ficar estupefacto diante deste dom, de que se
tornou participante no Espírito Santo: «Com efeito, Deus amou tanto o
mundo que lhe deu o seu Filho unigénito» (Jo 3, 16).
No
centro deste mistério, no mais vivo desta admiração de fé está
Maria. Santa Mãe do Redentor, ela foi a primeira a experimentá-la: «Vós
que gerastes, com grande admiração de todas as criaturas, o vosso santo
Genitor»!
52.
Nas palavras desta antífona litúrgica está expressa também a verdade
da «grande mudança de situação» para o homem, determinada pelo
mistério da Incarnação. Trata-se de uma autêntica reviravolta, que
afecta toda a sua história, desde aquele princípio que nos é revelado
nos primeiros capítulos do Génesis, até ao termo derradeiro, na
perspectiva do fim do mundo, de que Jesus não nos revelou «o dia nem a
hora» (cf. Mt 25, 13). É uma mudança de situação incessante e
contínua, entre o cair e o erguer-se, entre o homem do pecado e o homem
da graça e da justiça. A liturgia, especialmente no Advento, coloca-se
no ponto nevrálgico desta reviravolta e alude ao seu incessante «aqui e
agora», ao mesmo tempo que exclama: «Socorrei o vosso povo, que cai e
anela por erguer-se»!
Estas
palavras referem-se a cada um dos homens, a todas as comunidades
humanas, às nações e aos povos, às gerações e às épocas da história
humana: referem-se à nossa época, a estes anos do Milénio que está a
caminhar para o fim: Socorrei, sim, socorrei o vosso povo que cai»!
É
esta a invocação dirigida a Maria, «Santa Mãe do Redentor»; é a
invocação dirigida a Cristo, que por meio de Maria entrou na história da
humanidade. De ano para ano, a antífona é elevada ao Céu, em louvor de
Maria, evocando o momento em que se realizou esta essencial reviravolta
histórica, que perdura irreversivelmente: a mudança de situação entre «o
cair» e «o erguer-se».
A
humanidade fez descobertas admiráveis e alcançou resultados portentosos,
no campo da ciência e da técnica; realizou grandes obras nos caminhos do
progresso e da civilização; e, nos tempos mais recentes, dir-se-ia que
conseguiu acelerar o curso da história; mas a transformação fundamental,
a reviravolta que pode dizer-se «original», essa acompanha sempre a
caminhada do homem e, através das diversas vicissitudes históricas,
acompanha a todos e a cada um dos homens. É a mudança de situação entre
«o cair» e «o erguer-se», entre a morte e a vida. Tal reviravolta
constitui também um desafio incessante às consciências humanas,
um desafio a toda a consciência histórica do homem: o desafio para
seguir os caminhos do «não cair», com os recursos sempre antigos e
sempre novos, e do «ressurgir», se caiu.
À
medida que a Igreja se vai aproximando, juntamente com toda a
humanidade, da fronteira entre os dois Milénios, ela por sua parte, com
toda a comunidade dos que acreditam em Deus e em comunhão com todos os
homens de boa vontade, aceita o grande desafio que se encerra nas
palavras da antífona sobre «o povo que cai e anela por erguer-se»; e,
conjuntamente, dirige-se ao Redentor e à sua Mãe com a invocação:
«Socorrei»! Com efeito, a mesma Igreja vê - e atesta-o esta oração
litúrgica - a Bem-aventurada Mãe de Deus no mistério salvífico de Cristo
e no seu próprio mistério; vê-a radicada profundamente na história da
humanidade, na eterna vocação do homem, segundo o desígnio providencial
que Deus predispôs eternamente para ele; vê-a presente como mãe e a
participar nos múltiplos e complexos problemas que hoje
acompanham a vida das pessoas individualmente, das famílias e das
nações; vê-a como auxílio do povo cristão, na luta incessante entre o
bem e o mal, para que «não caia» ou, se caiu, para que «se erga».
Faço
ardentes votos de que também as reflexões contidas na presente Encíclica
aproveitem, para que se renove esta visão no coração de todos os que
acreditam.
Como
Bispo de Roma, eu envio a todos aqueles a quem estas considerações são
destinadas, o ósculo da paz, com saudações e a bênção em nosso Senhor
Jesus Cristo. Amen!
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 25 de Março - Solenidade da
Anunciação do Senhor - do ano de 1987, nono do meu Pontificado.